CONTO 019 - O gênio

O GÊNIO

Leandro de Araújo

O garoto estava voltando da escola para a vila onde morava, quando viu jogado próximo ao meio-fio algo que parecia uma pequena chaleira de metal. Deu um chute, como era de se esperar de um moleque de dez anos (qualquer coisa que esteja no chão e faça volume pode se tornar uma bola de futebol nesses momentos), que fez com que o objeto voasse alguns metros à frente. O menino então ajeitou o corpo franzino, deu aquele meneio típico de quem fosse cobrar uma falta e, quando estava prestes a dar aquela “bicuda” no capricho na bola, ouviu uma voz aos gritos, vindo sabe-se lá de onde:

- Espera! Espera! Não chuta de novo, por favor!

Intrigado com o inesperado pedido, parou, colocou uma das mãos na cintura enquanto tirava uma meleca do nariz com a outra e falou “Quié?”, olhando de um lado a outro. Como não viu ninguém por perto, sem dar muito tempo de reação a nada ou ninguém, correu para a pequena chaleira, deu um potente chute e saiu gritando “Goooool!”, enquanto corria de braços abertos imitando um aviãozinho.

Ao se aproximar do objeto novamente, percebeu que para fora do que deveria ser o bico havia um pequeno braço acenando. Intrigado, pegou-o, colocou perto do rosto com a testa franzida e repetiu “Quié?”.

- Para, por favor! Para de chutar minha lâmpada! Você não imagina o quanto chacoalha aqui dentro!

Com o susto, o menino largou de imediato a lâmpada no chão, que caiu fazendo um barulho de lata vazia, rolando até parar próximo à calçada. Sem sair de perto, abaixou devagarinho e começou a cutucar com o dedo o objeto metálico, como se estivesse cutucando algum animal perigoso. De dentro, a voz grave e séria, como a de um cantor de rap americano, voltou a falar:

- Tira esse dedo sujo de meleca daqui! – e abrandando um pouco o tom - Olha só, garoto. Me ajuda a sair daqui e eu te concedo um desejo. Qualquer coisa! Eu sou um gênio e essa é uma lâmpada mágica. Hoje é o maior dia de sorte da sua vida.

- Qui...

- Se você falar “Quié?” de novo, eu juro que saio daqui e te transformo em uma barata! – voltou a vociferar o gênio, até se acalmar novamente - É só esfregar a mão aqui do lado da lâmpada que eu me liberto e te concedo um desejo. Vamos! O que você está esperando?

O garotinho, agora entendendo a inusitada situação, toma novamente o objeto e faz como o gênio havia sugerido. Esfrega uma das pequenas mãos de dedos finos na lateral da lamparina prateada, até que um estrondo, acompanhado de uma fumaceira danada, fez tudo desaparecer da frente dos seus olhos grande e redondos. Em um instante estavam os dois frente a frente em um lugar que parecia estar além do tempo e do espaço. Uma névoa branca cobria o chão, não havia nada no horizonte e, para cima, um céu lindo cheio de estrelas iluminava os dois seres tão diferentes que se olhavam agora.

O gênio era um homem alto, com barba e cabelos grisalhos. Difícil definir sua idade, pois podia ter trinta, mas também poderia ter cinquenta anos. Apesar da expressão de uma pessoa muito vivida, tinha um corpo musculoso e jovem. Usava uma espécie de bombacha de cetim azul e estava sem camisa. Os grandes pés descalços e, próximo a eles, tornozelos envoltos por uma espécie de argola de metal. Nos pulsos e pescoço o mesmo adereço. Depois de encarar o menino por alguns segundos, foi possível novamente ouvir a voz grave do homem, agora calmamente.

- Muito obrigado, menino. Você me libertou da prisão cruel onde estive durante mil anos. Agora posso te conceder um pedido. Já adianto que sou muito poderoso, poderei conceder qualquer coisa que seu coração desejar.

Constrangido diante da figura tão imponente do gênio, o pequeno menino sorri. Um sorriso tão amarelo quanto seus dentes, mas tão sincero quanto seus olhos redondos. Estava feliz porque tinha alguém lhe oferecendo alguma coisa. O que por si só já era algo, para ele, muito legal.

Como o menino não falava nada, o gênio voltou a se pronunciar.

- E então, pequeno? Não diz nada? Qual é teu maior desejo?

O menino volta a colocar o dedo no nariz, faz uma cara séria, ergue a cabeça para poder encarar o grande e poderoso gênio, faz uma pausa longa, até que finalmente fala. Sua voz é aguda e suave. Nos seus olhos grandes e redondos, uma visível felicidade se fazia perceber.

- Quer dizer que eu posso pedir qualquer coisa mesmo, senhor? – falou com a voz um pouco trêmula e nervosa.

- Sim, garoto. Qualquer coisa. Pode voltar para seu mundo como um príncipe, um rei. Pode pedir todo ouro que quiser. Riqueza. Castelos. Cavalos. Serviçais. Pode pedir para ter poderes mágicos. Super força. Pode ser um homem lindo, irresistível para todas as mulheres. Ter cavalos de raça, carrões, helicópteros. - apesar de preso há mil anos na lâmpada, o Gênio estava atualizado - O-QUE-QUI-SER!

O menino abre um sorriso largo, seus olhos brilham como nunca brilharam. Ele ergue a cabeça, coloca as mãos na cintura, estufa o peito e, com a fisionomia de quem sabia muito bem o que queria da vida, olha no fundo dos olhos do gênio e fala:

- Eu queria uma bola de futebol de verdade, porque esse negócio de chutar coisas no chão machuca muito os meus pés.

Surpreso com a humildade do menino e a simplicidade do seu pedido, o gênio, sem esconder um sorriso emocionado, cruza os braços e apenas balança a cabeça. Um estrondo, um clarão e os dois desaparecem daquele lugar mágico, ficando apenas a névoa e as estrelas no céu.

Dez anos depois, quando aquele grande time de futebol estava entrando em campo, na frente da fila o craque do time carregava a bola embaixo do braço. Parou no meio do campo, colocou as mãos na cintura e não deixou de perceber que no meio da multidão que lotava o estádio, havia um torcedor de barbas e cabelos grisalhos que o olhava e sorria emocionado. O craque mal teve tempo de dizer “Quié?”, quando o juiz apita e começa a partida.


Modelo das fotos: Érico Araújo

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