O tico é a coisa mais poderosa do mundo. Sério! E não é de hoje!
Para quem não é do Rio Grande do Sul
e está se perguntando quem é esse tal de tico, eu explico. É um apelido que se
dá aqui no estado mais ao sul do Brasil para pênis. Um nome fofo, assim como
“piu-piu” ou “pinto”. Não riam! E é sim uma corruptela da palavra espanhola
“chico”, que significa “garoto” ou “pequeno”. Não adianta negar.
Pois bem. Até cerca de dez ou doze
mil anos, quando a humanidade ainda não era organizada em cidades, não havia
qualquer distinção na organização social entre homens e mulheres. O tico não
fazia qualquer diferença quando os grupos caçadores e coletores se reuniam para
conviver e sobreviver. Com a “descoberta” da agricultura, as mulheres começaram
a perder o espaço de trabalho na cadeia social, pois, com a taxa de natalidade aumentando
progressivamente, seu papel como provedora diminuía sensivelmente. Assim foi de
forma progressiva, até que por volta de 1.800 a.C. um rei mesopotâmico chamado
Hamurabi escreveu 282 leis, conhecidas historicamente como o Código de
Hamurabi, que determinava, entre outras coisas, que a mulher era inferior ao
homem. Sim, este é o primeiro registro de leis organizado e, entre outras
coisas, deixava claro que a partir daquele momento, a sociedade seria comandada
por homens. Por ticos, como disse no início do texto.
Lá se vão seis mil anos da
institucionalização do patriarcado. Seis mil anos que nós, portadores de tico,
ditamos as regras. E são regras rígidas. Em algumas sociedades, acreditem, as
mulheres ainda hoje não podem sair à rua sem a companhia de um homem da
família, ou do marido. Vivem hoje no mundo mais de duzentos milhões de mulheres
que sofreram mutilação sexual, com a extirpação do clitóris ainda na infância,
por razões religiosas (ONU). Até bem pouco tempo, há cerca de setenta anos, no
Brasil, as mulheres precisavam da autorização de seus maridos para poderem
viajar de avião. Até a Constituição de 1988 ainda era possível absolver um
homem de ter assassinado sua esposa se fosse comprovado que ele havia sido
motivado por forte emoção... na verdade a tal “legítima defesa da honra” e o
“crime passional” só desapareceram de nosso sistema jurídico com o código civil
de 2002. Até hoje, em 2020, mulheres de algumas religiões evangélicas no Brasil
são orientadas em “cursos de noivas” a tratarem seus maridos como “reis do
lar”, recebendo-os com carinho e não importunando-os com problemas domésticos. E
dando-lhe sexo como obrigação conjugal capaz de aliviá-lo de suas mazelas,
irritações e estresse. Hoje isso está acontecendo! Ainda!!! Sério!!!
É o poder do tico! Ainda hoje se
acredita que a força física é determinante para estabelecer relações de poder entre
homens e mulheres. Esta deve ser uma última desculpa esfarrapada, para não
dizer desesperada, porque está comprovado o fato de que intelectualmente não
levamos vantagem alguma. Muito pelo contrário. Hoje os vestibulares e concursos
públicos mais concorridos são dominados, em suas melhores classificações, por
mulheres. E sabe por que não era assim antes? Por que elas eram menos
inteligentes? Não. Porque até bem pouco tempo as meninas frequentavam a escola
por menos tempo que os homens, porque para cuidar da casa, criar filhos e cumprir
suas obrigações conjugais/sexuais não precisava estudar. Entre 1500 a 1827 a
educação brasileira era permitida somente a homens. No Brasil, a educação
feminina iniciou em colégios privados em 1867 e apenas em 1880 as mulheres
puderam estudar em escolas públicas. Entende agora por que citar o Código de
Hamurabi, com seis mil anos de “delay”, não é tão absurdo? Suas leis
patriarcais, por mais absurdas que pareçam hoje, ainda faziam-se sentir na
constituição brasileira até 140 anos. Tico, saca?
Levaram alguns milênios até que uma
sociedade igualitária se tornasse uma escrota sociedade dominada por portadores
de ticos. Dividimos o mundo, travamos guerras e genocídios. Fundamos religiões onde
pais, filhos e espíritos santos punem e perdoam as mães e filhas. Se quiserem. Dominamos
os mercados de capitais e a política. Deixamos o planeta doente. Tudo para
garantir que os poderosos ticos continuassem de cabeça erguida, dominantes,
olhando o mundo por cima, sem esmorecer.
A menos de um século começamos a nos
dar conta da grande besteira que fizemos e as consequências disso. Em 1928
permitimos que as mulheres fizessem parte da vida política brasileira, votando
e sendo votadas. Apenas em 1943 foi dada à mulher o direito de trabalhar sem a autorização expressa do marido (a subordinação aos esposos estava prevista no Código Civil desde 1916). E estamos falando de Brasil, não de um país fundamentalista religioso ou de uma tribo de aborígenes! Hoje não há mais amparo legal para qualquer limitação com
relação à participação de mulheres em qualquer área na sociedade. Então pergunto
aqueles que são contra os movimentos feministas: Acabou o patriarcado? Não há
mais paternalismo? As meninas podem deixar os pobres e injustiçados ticos em
paz novamente?
Vocês acham que seis mil anos de
domínio masculino institucionalizado e reconhecido como “normal” seria
abandonado porque há menos de um século as mulheres foram reconhecidas como
seres iguais a nós em direitos? Claro que não! O machismo patriarcal está
encrustado em nosso DNA. Ainda achamos absurdo que uma menina faça as mesmas
coisas pelas quais torcemos para que nossos pequenos varões façam com
abundância. E ainda contamos suas proezas para nossos amigos, para afirmar que
o tico continua hereditariamente firme. Ainda acreditamos que a forma com que
uma mulher se veste, dança, anda ou se porta socialmente é justificativa para
que seja abusada, afinal de contas, “ela estava provocando” ou “está pedindo
para levar, depois não quer”. Projetamos filhos jogadores de futebol e torcemos
que nossas filhas se casem com “homens de bem”. E achamos muito estranho aquele
filho do vizinho que não gosta de jogar bola, que fala com um ritmo diferente e
que não chama de gostosa ou olha para a bunda da garota que passa. Um
verdadeiro atentado contra a honra de quem? Do tico, ora, bolas!
E nesse sentido não aceitamos que um
homem ou uma mulher cometa a “traição de gênero”. Porque é inconcebível que um homem
“renegue o tico”. E mulher, para ser mulher de verdade, tem que receber as
bênçãos de um tico, ser fiel e temente a ele, até que a morte os separe. Amém! Qualquer
coisa que fuja desta ordem aceita como natural é, no máximo, tolerada como algo
passageiro, como a exceção que confirma a regra. Como modinha, diriam alguns.
Como mimimi, diriam outros. A regra, mesmo não estando mais explícita em lei,
ainda é a que diz que “o homem, o cabeça da esposa” (Coríntios 11:3-10) ou “porque
o marido é o cabeça da esposa” (Efésios 5:23) ou ainda “Não se deite com um
homem como quem se deita com uma mulher; é repugnante” (Levítico 18:22). Se
está na Bíblia e na internet, então deve ser verdade. Aí, então, tudo aquilo
que ameaça o histórico e controlador poder do tico, constitui ameaça: a feminista, o gay, o transexual, o
assexuado... porque estas pessoas não estão cumprindo direito o dever e a
função do tico, que não é outro, senão permanecer à frente, apontando a direção
correta, como uma arma. Por isso mulheres como Marielle Franco ou homens como
Thammy Miranda assustam tanto os partidários do tico. Eles não cumpriram as
regras naturais.
Não adianta negar. Vivemos sim em uma
sociedade patriarcal machista, paternalista e homofóbica. Os assomos de
resistência a esta realidade são embriões, historicamente falando. Mas estão
sendo gerados no ventre de mulheres fortes que, a cada dia, despertam para a
importância de romper com paternalismo. E aí, quando estas crianças nascerem,
teremos um novo mundo. Ou talvez não tão novo, mas um mundo que, novamente, será
habitado por pessoas que não definirão mais relações de poder medidas pela
anatomia, mas pela capacidade de fazer o melhor para a humanidade. Este momento
não só marcará a queda do tico, como o colocará em seu devido lugar.
Parabéns amigo... Excelente [REFLEXÃO]...
ResponderExcluirMuito obrigado!! Abração!!!
ExcluirParabens otimo texto.
ResponderExcluirMuito obrigado! Abraço!!!
ExcluirParabéns meu amigo. Texto claro de fácil entendimento e com muita veracidade. Excelente reflexão.
ResponderExcluirObrigado, Paulo, meu irmão! Abraço grande!
ExcluirMUITO obrigada por estas palavras!
ResponderExcluirEu que agradeço, Alana! Abração!
ExcluirO teu Blog deveria virar conteúdo impresso de revista e jornal. Moro em Santa Catarina. Acompanho o Canal ''Aquecimento Cênico'' e ''Leandro Araújo'' no YouTube. Exemplificada a iniciativa de conteúdos!
ResponderExcluirMuito obrigado, meu amigo!
ExcluirMuitos dos textos do meu blog estão no meu livro!!! Podes adquiri-lo no link abaixo, na versão e-book ou impressa:
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Abração!
ótimo!!!!!!!!!!!
ResponderExcluirObrigado, Cláudio. Abraço!!!
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