Uma
das coisas interessantes que aprendi com meu avô paterno, e que até hoje
continua fazendo parte de minha vida, é sua técnica para afiar facas.
Quando criança, observava como ele fazia parecer legal aquele movimento sem graça de esfregar uma faca em uma pedra. Mais tarde, quando jovem, morei por um tempo com meu avô e, em vez de ficar apenas observando, fui me interessando em aprender. Fazia perguntas e tentava copiar aquela dinâmica de passar o fio da faca em um tipo de pedra, depois em outra, e passando o fio nos dedos para ver se estava cortando. De vez em quando ainda jogava um pouco de água – que estava em uma canequinha de alumínio – nas tais "pedras de amolar". Vez por outra me cortava; em outros momentos, ficava com dor nos braços de tanto friccionar uma faca sem conseguir fazer com que ela cortasse nada.
Parecia simples, mas na verdade havia muita ciência na execução da tarefa. Precisava inclinar a lâmina em um ângulo específico de cada lado, primeiramente quase rente à pedra para afiná-la e, finalmente, aumentando a inclinação para fazer o esperado fio. Quase sempre utilizava dois tipos de pedras: uma mais abrasiva para fazer o desgaste bruto, e outra mais lisa, para dar o acabamento. Molhava as pedras de tempos em tempos para limpar os fragmentos que iam se soltando e “lubrificar”. Testava nos dedos mesmo, para ver se estava “pegando o fio” ou se precisava afinar um pouco mais.
Quando comecei a questionar o mundo ao meu redor, notei uma curiosa etapa final no ritual do meu avô: após todo o procedimento de afinar e afiar, ele passava a faca em um pedaço de madeira. Na mesma posição e direção que usava nas pedras, apenas com mais cuidado e calma. Ele chamava esta parte do processo de “sentar o fio”.
“Isso só pode ser algum tipo de superstição ou mania do meu avô”, pensava o Leandro adolescente, que se achava muito sabido. Calculava, em minha cabeça dura e teimosa, que não havia lógica alguma em esfregar a faca em um pedaço de madeira, depois de fazer o mesmo durante tanto tempo em pedras – que eram mais abrasivas e resistentes que o metal. Tentando dar um ar catedrático à minha fala, argumentava que a resistência da madeira era muito menor que a do metal e que, portanto, era uma perda de tempo.
Um dia, meu avô nos deixou. No entanto, tudo que havia aprendido com ele havia ficado. Em um dado momento, percebi que não era mais jovem e que não teria outra maneira de ter minhas facas afiadas, senão tendo eu mesmo que amolá-las. Só aí fui entender sua técnica e a diferença que o pedacinho de madeira fazia.
Quando a faca já estava com o fio pronto, restava na parte mais fina da lâmina uma série de rebarbas – pequenos pedaços de metal resultantes do desgaste, quase invisíveis a olho nu, mas que deixavam a parte cortante áspera. Ao friccionar longitudinalmente em um pedaço de madeira lisa e dura, esses fragmentos minúsculos iam se alinhando ao metal, desaparecendo. Dessa forma, preservava o aço e deixava “o fio mais bonito”, como dizia meu avô. Lembro como se fosse hoje: ele testando o fio, passando a parte cortante levemente pelo braço para ver os pelinhos sendo cortados, como por uma lâmina de barbear. Um sorriso largo e franco estampava seu rosto, o puro orgulho de quem executara uma tarefa simples com perfeição. As vaidades do velho Cungo eram muito peculiares.
Outras
pessoas são como um simples pedaço de madeira. Aparentemente
sem força para desbastar ou atritar metal algum. Insuficientes para moldar o
aço ou remover excessos. E é aí que nos enganamos! A melhor parte do fio é
feita justamente por quem consegue realinhar nossos fragmentos,
reposicioná-los. Fazem isso sem subtrair nossa essência ou desgastar nosso aço.
Apenas alinham nossas arestas, colocando-as em uma direção onde sua existência
não interfira no objetivo final de todo esforço: sermos quem somos e fazermos
aquilo ao qual nos destinamos a fazer.





Momento saudosismo: Vivenciei esta cena nos anos 50 no interior de Nova Prata. Com uma diferença, ao invés de usar um pedaço de madeira, usavam a tábua da mesa de rua hehe.
ResponderExcluirPS: Quando vais parir o primogênito literário?
Pois é... Meu avô usava uma madeirinha, que na verdade era uma ripa de cerno de eucalipto. Eu uso o esteio do meu galpão..
ExcluirSobre o primogênito literário, está nas mãos da editora, para análise da equipe editorial. Depois, vou precisar correr atrás de um patrocínio para viabilizar... Estou aguardando, ansioso!!!!