O universo tem me saltado aos olhos
de uma maneira diferente, o que, inclusive, tem me gerado uma vontade imensa de
voltar a escrever para o blog, contudo, com um olhar novo. É sobre um detalhe
destes que venho lhes contar hoje. Na semana passada eu estava dentro do ônibus
que pego para ir para casa depois do dia de trabalho, quando uma cena prendeu
minha atenção e grudou em minha memória com tamanha intensidade, que por alguns
dias não conseguia parar de pensar no que vi e de como colocaria no papel para
compartilhar com os amigos.
A parte inferior do “Viaduto da
Conceição”, no Centro de Porto Alegre, é um grande terminal de ônibus que reúne
diariamente milhares de pessoas que vão da capital gaúcha às cidades da região
metropolitana e vice-versa. Um grande painel de tipos humanos que, ao final da
tarde, aguardam em longas filas o transporte que os levará de volta para suas
casas após a jornada de trabalho. Existem ali também algumas bancas que vendem
hortifrútis, uma banca de revistas, algumas carrocinhas de cachorro-quente,
vários ambulantes, pedintes e um banheiro público, muito questionável no que
diz respeito tanto à segurança quanto à higiene. Ao lado deste banheiro, um
casal de moradores de rua cuja atitude me fez cair numa reflexão profunda sobre
aquilo que realmente nos faz feliz.
Um homem e uma mulher, presumidamente
moradores de rua, ela carregando alguns sacos com o que pareciam ser roupas.
Ele arrastando um colchão de solteiro velho, sem capa, e uma mochila. Eram 18
horas, o sol já ia baixo, mas ainda brilhava forte na Rua Voluntários da
Pátria, que corta o viaduto por baixo. O homem então põe o colchão no chão, próximo
à parede do banheiro público onde não batia sol, ajuda a mulher a deitar-se,
tira algo de um saco e coloca sob sua cabeça como se fosse um travesseiro, abre
sua mochila e retira desta algo que se parecia com uma manta ou cobertor velho
e cobre a mulher. Ele senta-se próximo aos pés dela e, sorrindo, estende suas
mãos e mexe em seus cabelos. Ela sorri de volta. Conversam um pouco,
animadamente, até que ele levanta e sai andando e some atrás do prédio do
banheiro. Um minuto depois volta com um pedaço de pão e um pote de iogurte que
me pareceu já chegar aberto e com menos da metade do seu conteúdo, como se
tivesse sido descartado por alguém antes de ser achado por nosso personagem.
Senta novamente aos pés de sua companheira, parte o pão em dois e divide com
ela, que senta no colchão para lanchar. O iogurte era como se fosse o bônus,
pois ele entregou para ela, que sorriu e bebeu o conteúdo do pote. Em momento
algum deixaram de conversar animadamente e sorrir. Às 18 horas e 15 minutos,
quando o ônibus começou a deixar o ponto de embarque, ela já havia deitado
novamente ele continuava a conversar e sorrir, às vezes jogando a cabeça para
trás, como se estivesse curtindo muito, tanto o papo como a companhia. Então
meu ônibus partiu.
Na medida em que o ônibus se
afastava, as perguntas começaram a aparecer: “O que realmente me faz feliz?” “Quanto
esforço, tempo e dinheiro dispenso para poder dar um sorriso?” “Quais são os
fatos que, diariamente, me deixam chateado ou irritado? “ “Acostumei-me tanto a
reclamar do que não tenho, que acabei esquecendo tudo aquilo de bom que já conquistei?”
Somos a sociedade do TER. Queremos o
telefone mais poderoso, o videogame mais moderno, a TV mais fina, o tênis mais
caro. São as coisas que nos fazem felizes e, sem as quais, afundamos em nossa
própria arrogância diante do simples, do bonito e do verdadeiramente humano.
O quadro foi tão surreal... Mostrava ao mesmo tempo uma pobreza extrema e uma alegria surpreendentemente
boa! Demorei um tempo para poder formular qualquer raciocínio ou opinião. Habituei-me
a condicionar a alegria a objetos, conquistas, troféus, que talvez já não
imaginasse mais que alguém pudesse demonstrar tamanha felicidade com “coisas
pequenas”.
Coisas pequenas... Esse conceito se
mostrou completamente idiota quando parei para pensar um pouco mais sobre a
cena. A gentileza com que o homem postou a cama, a alegria e a gratidão que ela
demonstrou em aceitar este carinho. A generosidade. A capacidade de
compartilhar. A humildade de se mostrar feliz em receber algo simples, mas
verdadeiramente de coração. A doação. A cumplicidade. O respeito. O amor.
Estava tudo ali, saltando aos meus
olhos. Nada disto custa dinheiro. Para se conquistar estes valores não é
necessário qualquer tipo de diploma. Basta apenas ser humano.
Um baita abraço em todos vocês!
Me segue no Twitter: @Le_Aquecimento
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Conheça minha galeria digital Leandro de Araújo Fotografia
Fantástico Leandro! Infelizmente algumas pessoas definem as pessoas pelo que elas tem e não pelo que elas são. As vezes é necessário tomar esse choques de realidade para assim olharmos com mais atenção a nossa volta, e assim darmos mais valores as pessoas que realmente fazem nossos dias feliz! Att. A.Menezes
ResponderExcluirMuito obrigado, A. Menezes! Abração!
ExcluirLeandro adoro ler suas postagens. Virei fã!!!! Eu sempre reflito muito sobre a felicidade e percebo que eu estou aprendendo a ser feliz.A vida seria tão mais leve se todos tirassem um tempo pra refletir como poucos. Abraço
ResponderExcluirObrigado pelo carinho, Débora. Abração!
ExcluirEsse meu compadre além de um baita ser humano é um talentoso por demais, não canso de admirar suas fotografias e me abastecer com seus textos. Parabéns Leandro! Bom pra caramba ver essa explosão de talento do menino que se fez homem... obrigada pelo texto e pela bela lição que acabei de ler.
ResponderExcluirOi, Mana... sempre generosa demais! Muito obrigado pelo carinho. Abração!
ExcluirExcelente texto e reflexão colega! Posso usá -lo em minhas aulas de sociologia e filosofia? É um tema que estou trabalhando, acrescentará muito nos nossos debates.🤔🤗
ResponderExcluirOi, Zenilda! Que honra!!! Claro que podes usar sim! Te agradeço o carinho!!!
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