CONTO 014 - O Viajante do Tempo

No meio daquela manifestação cheia de pessoas vestindo verde e amarelo e fazendo dancinhas coreografadas, uma explosão, seguida de uma fumaceira danada, revela a chegada de um estranho visitante, em um carro cheio de penduricos piscantes e acessórios estranhos.

- Civilização do futuro, venho de um passado distante, trazido por esta máquina do tempo, para percorrer ao redor do mundo e aprender sobre sua tecnologia, sua medicina e descobrir como conquistaram a paz!

Depois de um silêncio constrangedor, dois homens se cutucam com o cotovelo e cochicham:

- Meu, acredita nesse papo? Viu quanta fumaça saiu desse troço? Deve ser coisa desses maconheiros! Roqueiro, petista ou professor de História.

- Sei lá. Isso tem cara de ser alguma daquelas coisas da China para dominar o mundo. Tipo aquela vacina, as sementes pelo correio ou os grupos de “queipop”, saca?

- Tô ligado. Tem um parça meu que leu no Face um médico europeu falando isso. Só pode de ser da China. Ou dos Estados Unidos. Diz que lá agora estão virando “Comunistas da Nova Ordem Mundial”, uma religião fundada pelo Bill Gates, pelo Obama e pelo Pablo Vittar, para acabar de vez com a família tradicional.

- E o que a gente faz então?

- Deixa comigo, vou falar com ele.

O homem, vestindo uma camiseta da seleção, fecha o rosto, tentando parecer muito sério, estufa o peito para parecer ser mais forte que realmente é e se aproxima do visitante. Coloca as mãos na cintura, ergue a cabeça e fala:

- Mermão, pra começar, esse negócio de ao redor do mundo não tem mais. Agora todo mundo sabe que a Terra é plana, então acabou isso daí de “ao redor”. Medicina tá suave. Covid a bicho-de-pé é só receitar cloroquina. Se for caso crônico, supositório de ozônio. Sobre a paz ainda estamos resolvendo, porque liberamos para todo mundo comprar arma de fogo importada, mas o pessoal ainda está em dúvida se compra um oitão ou se come durante seis meses.

O viajante, atônito com aquela conversa toda, vira para o interior de sua máquina do tempo para ver se não programou, sem querer, a época errada no computador de fluxo do tempo. Não era. Estava em 2020 como programado. Quando vira novamente para seu interlocutor, percebe que uma multidão enfurecida o cerca, bradando palavras de ordem e fazendo arminhas com as mãos.

“Comunista! Vai pra Cuba! Vermelho dos infernos! Pega! Enfia essa “vachina” no...”

Rapidamente o viajante entra na máquina do tempo e, sem perder tempo escolhendo o destino, dá a partida. Uma explosão, seguida de uma nova fumaceira se forma. Ele desaparece sem deixar vestígios, deixando os manifestantes verde e amarelo se olhando sem entender o que havia acontecido.

Quando a máquina do tempo volta a aparecer, é no meio de uma vila medieval. Ao perceber os aldeões se aproximando, armados de forcados e tochas acesas, o viajante, percebendo que está sem combustível para tentar voltar ao seu tempo correto, pensa “Pelo menos não estão fazendo aquelas dancinhas ridículas.” Ao virar para o lado, percebe pelo vidro da máquina do tempo que um aldeão o encara, segurando em uma das mãos uma tocha flamejante. Com a outra mão faz um sinal, como quem diz “Desce!”.





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