Ela
não tinha nada demais. Não era rara, ou frondosa. Quase não dava sombra. Suas
folhas tinham um verde desbotado e florava apenas uma vez por ano. Flores
pequenas, quase imperceptíveis e sem perfume algum. Mas estava ali, na calçada
da grande metrópole. Próxima ao meio-fio daquela avenida movimentada e em
frente a uma grande livraria, de onde diariamente entravam e saíam centenas de
pessoas que jamais olhavam para Ela.
A
árvore estava em um quadrado de terra aberto na calçada justamente para que ali
se plantasse uma árvore. Alguém, em algum momento, mandado por outra pessoa, a
trouxe e plantou ali. Não sabe ao certo se o objetivo era deixar a cidade mais
bonita, supostamente mais natural ou simplesmente porque as cidades costumam
ter árvores nas calçadas. Ela mesma sequer tinha consciência de sua existência.
Pelo menos até aquele dia.
Quando
o amanhecer começou a iluminar a avenida, procurando espaço por entre os
prédios em um ensolarado dia de primavera, Ela se tornou consciente pela
primeira vez. A primeira sensação que experimentou foi de susto, quando um
ônibus passou à toda velocidade, agitando seus finos galhos e fazendo um
barulho medonho. Como se tivesse despertado de um pesadelo, Ela gritou. Porém,
por mais que se esforçasse em gritar, parece que ninguém ouvia sua voz. Ficou
por muito tempo gritando em todas as direções, mas as pessoas sequer faziam
menção de que estavam ouvindo, ou se importavam. Era como se Ela nem estivesse
ali.
Cansada
de tanto pedir por socorro sem resposta, respirou fundo e decidiu que a ideia
mais inteligente seria sair do lugar e tentar descobrir onde estava. Fez muita
força na tentativa de escapar do quadrado de terra, mas raízes fortes e
profundas a prendiam ao solo de tal maneira, que nenhum esforço que fizesse era
capaz de libertá-la.
Desesperada,
procurou acenar, pediu por favor, chorou. Ninguém notava que Ela estava ali.
Nada.
Ela, a
árvore, então sentiu-se sozinha, numa solidão tão profunda e dolorosa. Queria
voltar a ser tudo como era antes, quando apenas existia. Sem consciência ou
dúvida. Tal e qual a placa com o nome da livraria, que só estava ali porque
precisava estar. Ou o asfalto da avenida.
Tentou
chorar, mas não conseguiu. Apenas caíram algumas poucas folhas amareladas,
algumas no quadrado de terra, outras levadas pelo vento caíram na calçada.
Seriam varridas, colocadas em sacos e jogadas na lixeira. Nem para adubar outra
árvore serviriam.
Queria
saber de quem eram as mãos que abriram a terra e a plantaram ali. Quem regava
suas raízes? A quem sua sombra diminuta poderia abrigar em um dia de sol
escaldante? Qual o sentido de uma existência que passa despercebida por todos?
Por quê?
Como
seus gritos, suas perguntas parecem ter caído no vácuo. Pessoas passavam apressadas.
Sérias, olhando seus smartphones. Algumas em grupos, sorriem e falam alto.
Alguns casais de mãos dadas. Crianças correndo. No outro lado, carros e ônibus
disputam espaço, buzinam, correm.
A
tardinha ia chegando e o sol já espiava por entre as frestas dos prédios no
outro lado da avenida. Ela melancolicamente aguardava a noite chegar, na
esperança de que, no outro dia, voltasse a ser apenas mais uma coisa compondo a
paisagem urbana da cidade grande. Como uma placa ou o asfalto. Apenas existindo.
Então,
quando a tristeza e o vazio pareciam consumi-la e a dor era maior que a própria
vontade de existir, um pequeno pássaro pousa de forma estabanada em um dos
finos e tortos galhos que apontavam para o céu. Pulou um pouco de um lado para
outro, espiou em todas as direções e, quando sentiu-se seguro, abrigou-se em
meio às parcas folhas, de maneira que pudesse ficar oculto de olhares curiosos
ou predadores. Logo em seguida, duas borboletas pequeninas pousaram em uma folha,
deram algumas voltas ao seu redor como em uma dança, até se encontrarem e se
enlaçarem em um ritual onde havia perpetuação e amor. Do quadrado de terra onde
estava plantada, emergiu a larva de uma cigarra que subiu por seu tronco até
uma altura confortável, de onde o inseto pode libertar-se, esticar suas asas e
voar para poder em breve acordar o dia com sua cantiga.
Caiu a
noite e Ela em um silêncio cortado por suspiros que ninguém ouvia e lágrimas
que ninguém notava. Uma existência composta de pequenas flores sem perfume, algumas
folhas de um verde desmaiado e um quadrado de terra aberto em uma calçada da
metrópole.
Na
compreensão de sua existência, a esperança no entardecer do próximo dia. A consciência
de que mesmo na simplicidade de seu existir há força suficiente para oferecer
abrigo, amor e vida. A quem quer que precise deles. Quando Ela se dá conta
disto, se as pessoas parassem para olhá-la pelo menos uma vez, certamente iriam
perceber que, além da folha que cai e que é lágrima, agora também havia um
sorriso.
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Teu texto prende a atenção até o fim. A conclusão leva o leitor a uma profunda reflexão e dispensa comentário.
ResponderExcluirE a editora?
Obrigado, meu amigo!!! Estamos aguardando aquele chamado!!!! Abração!
ExcluirParabéns pelo belíssimo texto. Nos faz perceber que por menor que estejamos nos sentindo, sempre teremos algo de bom a oferecer.
ResponderExcluirMuito obrigado pelo carinho, Simone! Todos somos importantes, né? Abração!!!!
ExcluirUm texto escandalosamente gostoso de ler até o fim...
ResponderExcluirUm texto que vai além da imaginaçao nos levando a fazer um paralelo entre a árvore e o nosso eu! Necessitamos passar por momentos de solidao para que assim possamos refletir sobre nossa passagem na terra , sobre nossa importancia na vida das pessoas e por fim sobre deixar sempre marcas boas da nossa existencia em cada ser que conhecemos.
Oi!!! Muito obrigado pelo carinho!!! Não sabes o quanto fico feliz em saber que um texto possa tocar alguém tão profundamente. Podes acreditar, deixaste uma marca maravilhosa em mim com teu depoimento. Abração!!!
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