POESIA 008 - O Sorro e a Lua




O SORRO E A LUA
Leandro de Araújo


A noite calma e serena
Nos toca seus magros dedos.
Vultos por entre as sombras
Perambulando seus medos
Onde as quietudes cortadas
Pelas histórias contadas
Revelam tristes segredos.

Na boca da noite grande
Se ouve gritos de socorro.
Canto triste de urutau,
Ao longe late um cachorro,
Na grota se escuta forte
Um berro com jeito de morte
Por entre os dentes do Sorro¹.

Cusco do mato, ladino,
Ladrão e sobrevivente.
Pro cordeiro ele é um lobo,
Pra cachorrada um presente,
Sestroso filho da fome
Que traz astúcia no nome,
Selvagem por acidente.

Então vestiu-se de noite
Portando presas de pua.
Sentindo o cheiro do sangue
E o gosto da carne crua,
Passos macios no pasto,
Vaqueano, sem deixar rastro,
Na companhia da Lua².

Lua cheia de dezembro
É quase o mesmo que um sol.
Na escuridão é um guia,
Para o campeiro um farol,
Seguia o Sorro quietita
Jorrando sua luz bonita
No campo como um lençol.

O Sorro por solitário
Reprovou a companhia.
Não que temesse a Lua,
Linda dama que o seguia.
Remoeu-se de estranheza
Ante a sublime beleza
Que a luz da Lua continha.

Perdoa-me, dona Lua,
Mas tenho que lhe falar.
Humilde bicho das trevas
Uso o breu para caçar.
Não sei porque me acompanhas
Meus truques e minhas manhas
Teu clarão vai estorvar.

Lua manteve o silêncio.
A mensagem compreendeu.
Muda baixou os olhos
Sob a nuvem se escondeu
Aos poucos sumiu seu brilho
E então o lobo caudilho
Na escuridão se perdeu.
 
Um novo dia passou
E a noite rendeu-lhe a guarda.
O Sorro, por seu instinto
De caçador veste a farda
E novamente a surpresa,
Fora da grota a beleza
Da luz da Lua lhe aguarda.

Luz bonita! Sedutora!
Com tons de azul e calor.
Embrulhou entranhas do Sorro
Com seu brilho encantador,
Que então não sente mais fome
O que sente tem outro nome,
Outra forma e outra cor.

O Sorro angustiado
A cada noite que seguia
Mais e mais queria a Lua
Seu lume, sua companhia.
Quando chovia, chorava,
Na nova desesperava,
No crescente, renascia.

E a Lua ao longe lumia
Sem uma palavra dizer.
Mirava o Sorro minguando
Zombando de seu sofrer.
O bicho com a alma nua
Olhava pra luz da Lua
Sem saber o que fazer.

Enlouquecido, prostrado,
Sorro não dormia mais.
Cordeiros já não caçava
- virou chacota dos demais -
Não entendiam seu tormento
Muito menos o sentimento
E o estrago que ele faz.

O coração em pedaços.
Alma charqueada de dor.
Querer algo tão distante
Fez do Sorro um sonhador.
Então, aceitando a derrota,
O Sorro voltou pra grota
E quieto morreu de amor.



Glossário:

1. Sorro: espécie de cão selvagem, também conhecido como graxaim ou cachorro do mato. Muito comum na pampa em suas duas subespécies, uma do campo e outra do mato.



2.   Lua: inspiração para poetas e amantes. Também conhecida como o satélite natural da Terra.



Poema participante da Sesmaria da Poesia Gaúcha - 23ª Quadra, em 29 de setembro de 2018, Osório, RS. Um dos principais festivais de poemas inéditos do Rio Grande do Sul. 




Comentários

  1. Muito bom, tanto poema como declamação. Nunca ouvi mas parece que também és bom declamador. Sugestão para um blog.

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    1. Obrigado, meu amigo!!! Digo meus versos também... kkkk Tem algumas apresentações minhas perdidas pelo Youtube. Quando o amigo quiser dar uma espiada: https://www.youtube.com/watch?v=jmuKqZrudzc&list=PLTPdrh3tJFn6ZBBb6xs6-jVjBiC-5XfKm

      Abração!

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  2. Sua escrita demonstra sua sensibilidade e uma profunda maneira de tocar os leitores fazendo-os ler nas entrelinhas cada palavra que se agarra ao poema para dizer o quao de nós tem em casa verso! Tao gostoso ler e reler!

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    1. Muito obrigado pelo carinho! De coração!!!! Conta comigo, sempre!

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  3. Espero q eu continue a ler seus textos!

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  4. Lindo poema, muito bem declamado.
    Uma dupla perfeita.
    Sucesso

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