Muito difícil
falar sobre o filme O Tempo e o Vento
com um mínimo de isenção. Primeiro porque sou um apaixonado pela obra de Érico
Veríssimo, dei o nome ao meu primeiro filho em homenagem ao autor por causa da
obra, e segundo porque tenho admiração muito grande pela minissérie homônima de
1985, dirigida brilhantemente pelo gaúcho Paulo José. No entanto, não era
segredo para ninguém que estava ansioso pelo filme de 2013, inclusive deixei
bem claro isso em um outro artigo do meu blog.
É outra obra.
Estão lá os elementos principais, o fio condutor, a geografia e a história, mas
o objetivo é outro. É um belo filme, com fotografia primorosa e elenco
selecionado a dedo para ficar bonito na tela grande. Infelizmente não vai além
disso. Econômico no sangue (não sei se para conter despesas ou se para
conseguir classificação indicativa mais flexível), a trama transforma a guerra,
elemento importante na obra de Veríssimo, em perfumaria, como se fosse um adorno
dispensável à trama.
Como na obra
impressa, o filme inicia durante a Revolução de 1893, com o sobrado da família
Terra Cambará sitiado pela família Amaral. Então, Bibiana Terra, já idosa,
interpretada por Fernanda Montenegro (o que tivemos de melhor no filme) narra a
história após receber uma visita inesperada, criada especialmente para a
montagem do cinema. Citando trechos de O Tempo e o Vento original, leva brevemente
o espectador às missões jesuíticas, sem aprofundar qualquer personagem ou citar
a importância das reduções e dos missionários na formação do povo do sul do
Brasil. O personagem principal na obra impressa, Padre Alonso, fora relegado a coadjuvante
de um texto sem personagem principal. Aí já comecei a achar que não terminaria
bem.
Em seguida o
filme entra em seu segundo ato, o mais fraco. Decepcionante ver a personagem
Ana Terra que tanto no livro quanto na série de 1985 se mostrou uma mulher
forte, decidida e corajosa, se tornar em algo tão vazio. Cléo Pires deu ao
personagem a profundidade de um pires (perdoem-me). Novelizaram tanto Ana
Terra, que esta não perdia a oportunidade de mostrar um inexplicável decote
generoso, sobrancelhas feitas à capricho e um leve batom na boca sempre entreaberta
(vide Megan Fox em Transformers). Tudo isso para seduzir um Pedro Missioneiro
tão artificial quanto apagado. Em momento algum temos a sensação de sentimento
entre Ana Terra e Pedro Missioneiro. O índio (sic) parece ter sido inserido na
trama apenas para aplacar o desejo sexual da moça e justificar o nascimento de
Pedro Terra, para dar continuidade à narrativa.
Logo temos a
parte mais interessante do filme, aquela que todos no Brasil
esperavam: Thiago Lacerda vestindo o “dólmã militar azul” do Capitão Rodrigo
Cambará. É a parte mais legal do filme, sem dúvida. Surpresas muito boas, como
o Juvenal Terra vivido pelo Cris Pereira (o Jorge da Borracharia está positivamente
irreconhecível). Thiago Lacerda se esforça e só não é mais feliz na construção
de seu Capitão porque a direção não deixa. É lamentavelmente prejudicado pela excessivo
atropelo temporal promovido pela direção, que aparentemente se preocupou mais em
não deixar o filme tão extenso, do que com a construção dos personagens. Não
entendemos as razões do Capitão, um dos personagens mais complexos e singulares
da literatura brasileira. Pior do que a superficialidade com que foi tratado
pela direção do filme apenas o final lamentável que deram a ele, em uma
alteração totalmente desnecessária do brilhante texto de Veríssimo. Demais
personagens, Bibiana, Pedro Terra, Pe. Lara, Ricardo Amaral, não passam de um
desfile de “motivos” para termos closes fechados de Thiago Lacerda sorrindo e
exibindo seu bigode “gaúcho” e seus olhos azuis.
Para concluir,
o quarto e último ato. Voltamos ao sobrado sitiado e temos novamente Bibiana
Terra falando com seu ilustre visitante (devem estar se perguntando onde foram
parar Bolívar Cambará e Luzia Silva; estes personagens foram convenientemente
suprimidos do filme, sendo apenas citados para não “tomar mais tempo” da
projeção). Um Licurgo Cambará
fraquíssimo, a exemplo de tudo que o cerca (à exceção de Fernanda Montenegro)
conduz ao final melancólico (a saída dos federalistas de Santa Fé e o discurso
pedante de Bento Amaral beiram o ridículo). Para fechar, não esquecendo as
origens novelescas de Jayme Monjardim, um final “emocionante”, novamente
roteirizado especialmente para o filme, que em nada lembra a obra de Érico
Veríssimo, mas que fez brotar lágrimas na plateia. O gosto que ficou é de que
se o diretor tivesse dedicado um filme para cada um dos quatro atos, teríamos
uma chance maior de criar uma ligação mínima com personagens, trama, etc.
Após lerem isto
devem estar achando que odiei o filme. Confesso que não. Achei o filme bonito,
com uma fotografia belíssima (exagerando na quantidade de “pôr do sol”, como se
tivéssemos apenas isso de bonito em nossa paisagem natural, mas tudo bem) e com
um figurino impecável. Muito legal vermos a nossa história, personagens com um
pouco de nosso sotaque (veja bem, eu disse pouco) e o nosso estado na tela
grande. Se o roteiro tropeça... se a direção atropela... Isso não importa
tanto. Ficamos felizes e orgulhosos de ter uma oportunidade tão rara de ver o
Rio Grande do Sul no cinema.
Tenho certeza
que aqueles que gostam de assistir sua novelinha vão sair muito satisfeitos e
recomendar aos amigos. Eu recomendo que leiam O Tempo e o Vento original. Na verdade, o filme pareceu apenas um
grande trailer da obra maior de Érico Veríssimo.
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Quando anunciaram o filme, já fiquei meio receoso... Li toda a obra e também vi a série de 85... Nela, já senti falta de quase todo o livro, pois queria ver na tela as peripécias amorosas do Dr. Rodrigo, o gauchismo rústico do Toríbio, ver como o Bolívar, que tinha tudo pra ser tão homem quanto seu pai, se tornar num capacho da mulher...
ResponderExcluirFaltou tudo isso em 85... Por isso, já vou pra sala de cinema com o pé atrás...
Hehehe... vai com fé, meu brother. O filme não é de todo ruim. É fraco, mas é bonito. Não cheguei a me arrepender, mas me deu uma vontade danada de ler novamente a obra. Abraço grande!
ExcluirParabéns pela critica, bem articulada e muito bem escrita.
ResponderExcluirNão vi o filme ainda, mas li a obra duas vezes e a série em DVD.
Obrigado, Everton! Abraço!
ExcluirMelhor crítica que li até aqui, parabéns!
ResponderExcluirObrigado, Eliseu! Abraço!
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