A BREVE HISTÓRIA DE JANUÁRIO, UM GAÚCHO
Leandro de Araújo
O pequeno Januário, magrinho e mirrado
Do tamanho que cabe em dez anos de piá,
Voava as melenas na volta das casas.
Petiço tem asas pro guri estafeta
Que entrega recados e busca sorrisos,
Que para rodeio com gado de osso,
Que sente nos pés as rosetas e a terra.
O piazito ligeiro, mais cedo que sol,
Recorre a invernada assoviando uma copla.
- Ligeiro, Bruaca! Que vaca bem lerda!
E as mansas seguiam o rumo da ordenha
No trilho pelado marcado no pasto
Que a casco e costume no campo desenha.
No galpão a peonada.
Na cuia de mate o compasso da prosa
Dançando com todos na roda formada,
Girando em mãos rudes, com graça e calor,
E a “Ordem do Dia” era assim comungada.
O piá se achega no más...
Num cepo se espalha, imitando a pachorra
Dos velhos gaúchos na roda de mate.
Luzeiros nos olhos, mirando o porongo
Que passa, repassa... e enfim é lindeiro!
Mãozinhas miúdas
Estendidas no espaço.
Dedinhos abertos, sorriso também.
Luzeiros acesos na bomba e na água
Que quente deságua desejos e sonhos.
E sonhos meninos em verde e fumaça.
Então...
Risadas amigas.
Mãos rudes agitam cabelos revoltos.
E a cuia de mate passando à lo largo
Deixando o piazito com a alma vazia.
Só quando fosse “mais grande”, disseram.
Só quando as marcas da vida e do tempo
Enrudecessem suas mãos, e a alma afinal.
E assim o veriam, não mais um piá,
Mas um gaúcho, um igual.
No mas, a peonada encilha e se vai.
Ganha o campo e a faina do dia.
O menino Januário,
Misto de medo e orgulho,
Pega a cuia de erva lavada,
A água já morna e num cepo se abanca.
Se serve do mate que tanto queria.
Quando julho chegou trouxe o frio à cabresto,
Encilhadas perguntas, no rigor da invernia.
No catre o guri campeava respostas
E o sono alarife se foi à la cria!
Madrugada alta!
A chama da lamparina quase sumiu,
Parou sua valsa de luz e calor
Tímida dama dançando no frio.
Januário levanta, se enrola num poncho.
Passos miúdos direito à invernada.
As mansas se assustam,
Mas seguem o rumo da terra pelada.
Os pés do piá, pequenos, mas firmes
Pisam com força, quebrando a geada.
Tentando esquecer a friaca maleva
Que agora lhe bate com gosto na cara.
Leandro de Araújo
O pequeno Januário, magrinho e mirrado
Do tamanho que cabe em dez anos de piá,
Voava as melenas na volta das casas.
Petiço tem asas pro guri estafeta
Que entrega recados e busca sorrisos,
Que para rodeio com gado de osso,
Que sente nos pés as rosetas e a terra.
O piazito ligeiro, mais cedo que sol,
Recorre a invernada assoviando uma copla.
- Ligeiro, Bruaca! Que vaca bem lerda!
E as mansas seguiam o rumo da ordenha
No trilho pelado marcado no pasto
Que a casco e costume no campo desenha.
No galpão a peonada.
Na cuia de mate o compasso da prosa
Dançando com todos na roda formada,
Girando em mãos rudes, com graça e calor,
E a “Ordem do Dia” era assim comungada.
O piá se achega no más...
Num cepo se espalha, imitando a pachorra
Dos velhos gaúchos na roda de mate.
Luzeiros nos olhos, mirando o porongo
Que passa, repassa... e enfim é lindeiro!
Mãozinhas miúdas
Estendidas no espaço.
Dedinhos abertos, sorriso também.
Luzeiros acesos na bomba e na água
Que quente deságua desejos e sonhos.
E sonhos meninos em verde e fumaça.
Então...
Risadas amigas.
Mãos rudes agitam cabelos revoltos.
E a cuia de mate passando à lo largo
Deixando o piazito com a alma vazia.
Só quando fosse “mais grande”, disseram.
Só quando as marcas da vida e do tempo
Enrudecessem suas mãos, e a alma afinal.
E assim o veriam, não mais um piá,
Mas um gaúcho, um igual.
No mas, a peonada encilha e se vai.
Ganha o campo e a faina do dia.
O menino Januário,
Misto de medo e orgulho,
Pega a cuia de erva lavada,
A água já morna e num cepo se abanca.
Se serve do mate que tanto queria.
...
No petiço um pelego já basta...
E a trote tocava pra escola rural.
No bocó um caderno, um toco de lápis...
E uma esperança.
- Amanhã vai ser diferente!
Os velhos gaúchos, modelos e espelhos,
Não mais veriam apenas um piá,
Mas um gaúcho, afinal.
No petiço um pelego já basta...
E a trote tocava pra escola rural.
No bocó um caderno, um toco de lápis...
E uma esperança.
- Amanhã vai ser diferente!
Os velhos gaúchos, modelos e espelhos,
Não mais veriam apenas um piá,
Mas um gaúcho, afinal.
Quando julho chegou trouxe o frio à cabresto,
Encilhadas perguntas, no rigor da invernia.
No catre o guri campeava respostas
E o sono alarife se foi à la cria!
Madrugada alta!
A chama da lamparina quase sumiu,
Parou sua valsa de luz e calor
Tímida dama dançando no frio.
Januário levanta, se enrola num poncho.
Passos miúdos direito à invernada.
As mansas se assustam,
Mas seguem o rumo da terra pelada.
Os pés do piá, pequenos, mas firmes
Pisam com força, quebrando a geada.
Tentando esquecer a friaca maleva
Que agora lhe bate com gosto na cara.
...
Então... Se fez abrigo o galpão.
A chama projeta em sombras e lumes
Antigos fantasmas, de velhos gaúchos,
Que mudos lhe miram entrando no templo
De prosas e truco, da boia campeira,
Da trança de cordas nos dias de chuva
Das rodas gaúchas de um bom chimarrão.
No símbolo cravado no centro do templo
O pai-de-fogo adormece num sono irreal.
Sob a cama de cinzas uma brasa vigila
Aguarda os campeiros no seu despertar
Que em roda comungam a raça e o valor
Mesclando ao porongo o mesmo calor
Gaucho e bugre... Simples e atemporal.
Os devaneios se vão!
Palha de milho, gravetos,
Um pau de lenha...
Outro pau de lenha.
- Onde estão os fósforos?
Na gamela quebrada,
Junto de um naco de fumo
E de palha sovada.
- Acende palha! O frio não deixa.
Agora vai... Acendeu!
A labareda dançando sua dança bonita
Reacende os luzeiros nos olhos miúdos
Que muito já viram no tempo que deu.
A talha enche com sonho e com água
A cambona de lata com cabo de arame.
Água gelada, parece que corta!
O aconchego da mão.
A erva tombando.
A água esperta.
- Incha logo erva!
Só falta a bomba, tapando o bocal.
- Pronto!
O chiar da cambona.
A mãozinha pequena.
O cabo de arame.
Nem sente que queima!
Enche bem a cuia, igualzinho aos peões.
Uma lagoa verde e espumante
Evoca orgulhos e aponta caminhos.
Um sentimento tão forte rebenta em seu peito
E sem entender direito
O menino soluça e chora mansinho.
Lá fora, a cantoria dos galos
Anuncia mais um dia de inverno no sul.
Dos olhos do piá rolam lágrimas quentes.
Quente também é o mate que sorve com gosto.
O sal da lágrima, o amargo do mate,
Nutrindo esperanças e sonhos guris.
E uma doce revelação!
- EU JÁ SOU UM GAÚCHO!
E este é o melhor mate
Que as mãos de um gaúcho ousaram fazer!
Quando a peonada da estância
Se achega ao galpão,
Uma imagem lhes vem, silenciando a bravata.
Os olhos molhados mirando no fogo.
As mãos em prece acolhendo o porongo,
E os lábios serrados num beijo de prata.
Nenhum disse nada.
Não ousaram falar.
Nenhuma risada ou mãos calejadas
Afagando os cabelos revoltos.
Na volta do fogo uma grande roda formou.
Aceitaram o mate cevado à capricho
E servido com gosto por mais um igual.
Entre aqueles peões rudes,
De almas antigas e caras judiadas, uma certeza:
Ali não mais um piá, mas um gaúcho, afinal.
Então... Se fez abrigo o galpão.
A chama projeta em sombras e lumes
Antigos fantasmas, de velhos gaúchos,
Que mudos lhe miram entrando no templo
De prosas e truco, da boia campeira,
Da trança de cordas nos dias de chuva
Das rodas gaúchas de um bom chimarrão.
No símbolo cravado no centro do templo
O pai-de-fogo adormece num sono irreal.
Sob a cama de cinzas uma brasa vigila
Aguarda os campeiros no seu despertar
Que em roda comungam a raça e o valor
Mesclando ao porongo o mesmo calor
Gaucho e bugre... Simples e atemporal.
Os devaneios se vão!
Palha de milho, gravetos,
Um pau de lenha...
Outro pau de lenha.
- Onde estão os fósforos?
Na gamela quebrada,
Junto de um naco de fumo
E de palha sovada.
- Acende palha! O frio não deixa.
Agora vai... Acendeu!
A labareda dançando sua dança bonita
Reacende os luzeiros nos olhos miúdos
Que muito já viram no tempo que deu.
A talha enche com sonho e com água
A cambona de lata com cabo de arame.
Água gelada, parece que corta!
O aconchego da mão.
A erva tombando.
A água esperta.
- Incha logo erva!
Só falta a bomba, tapando o bocal.
- Pronto!
O chiar da cambona.
A mãozinha pequena.
O cabo de arame.
Nem sente que queima!
Enche bem a cuia, igualzinho aos peões.
Uma lagoa verde e espumante
Evoca orgulhos e aponta caminhos.
Um sentimento tão forte rebenta em seu peito
E sem entender direito
O menino soluça e chora mansinho.
Lá fora, a cantoria dos galos
Anuncia mais um dia de inverno no sul.
Dos olhos do piá rolam lágrimas quentes.
Quente também é o mate que sorve com gosto.
O sal da lágrima, o amargo do mate,
Nutrindo esperanças e sonhos guris.
E uma doce revelação!
- EU JÁ SOU UM GAÚCHO!
E este é o melhor mate
Que as mãos de um gaúcho ousaram fazer!
Quando a peonada da estância
Se achega ao galpão,
Uma imagem lhes vem, silenciando a bravata.
Os olhos molhados mirando no fogo.
As mãos em prece acolhendo o porongo,
E os lábios serrados num beijo de prata.
Nenhum disse nada.
Não ousaram falar.
Nenhuma risada ou mãos calejadas
Afagando os cabelos revoltos.
Na volta do fogo uma grande roda formou.
Aceitaram o mate cevado à capricho
E servido com gosto por mais um igual.
Entre aqueles peões rudes,
De almas antigas e caras judiadas, uma certeza:
Ali não mais um piá, mas um gaúcho, afinal.
........................................................
Me segue no Instagram: @leandrodearaujopoesia e @aquecimentocenico
Conheça a Loja Aquecimento Cênico Camisetas
Visita o Blog Uma Outra Cor
E minha galeria no Flickr
Comentários
Postar um comentário