O GÊNIO
Leandro de Araújo
O garoto estava voltando da escola para a vila onde morava, quando viu jogado próximo ao meio-fio algo que parecia uma pequena chaleira de metal. Deu um chute, como era de se esperar de um moleque de dez anos (qualquer coisa que esteja no chão e faça volume pode se tornar uma bola de futebol nesses momentos), que fez com que o objeto voasse alguns metros à frente. O menino então ajeitou o corpo franzino, deu aquele meneio típico de quem fosse cobrar uma falta e, quando estava prestes a dar aquela “bicuda” no capricho na bola, ouviu uma voz aos gritos, vindo sabe-se lá de onde:
- Espera! Espera!
Não chuta de novo, por favor!
Intrigado com o
inesperado pedido, parou, colocou uma das mãos na cintura enquanto tirava uma
meleca do nariz com a outra e falou “Quié?”, olhando de um lado a outro. Como
não viu ninguém por perto, sem dar muito tempo de reação a nada ou ninguém,
correu para a pequena chaleira, deu um potente chute e saiu gritando “Goooool!”,
enquanto corria de braços abertos imitando um aviãozinho.
Ao se aproximar
do objeto novamente, percebeu que para fora do que deveria ser o bico havia um
pequeno braço acenando. Intrigado, pegou-o, colocou perto do rosto com a testa
franzida e repetiu “Quié?”.
- Para, por
favor! Para de chutar minha lâmpada! Você não imagina o quanto chacoalha aqui
dentro!
Com o susto, o
menino largou de imediato a lâmpada no chão, que caiu fazendo um barulho de
lata vazia, rolando até parar próximo à calçada. Sem sair de perto, abaixou
devagarinho e começou a cutucar com o dedo o objeto metálico, como se estivesse
cutucando algum animal perigoso. De dentro, a voz grave e séria, como a de um
cantor de rap americano, voltou a falar:
- Tira esse
dedo sujo de meleca daqui! – e abrandando um pouco o tom - Olha só, garoto. Me
ajuda a sair daqui e eu te concedo um desejo. Qualquer coisa! Eu sou um gênio e
essa é uma lâmpada mágica. Hoje é o maior dia de sorte da sua vida.
- Qui...
- Se você falar
“Quié?” de novo, eu juro que saio daqui e te transformo em uma barata! – voltou
a vociferar o gênio, até se acalmar novamente - É só esfregar a mão aqui do
lado da lâmpada que eu me liberto e te concedo um desejo. Vamos! O que você
está esperando?
O garotinho,
agora entendendo a inusitada situação, toma novamente o objeto e faz como o gênio
havia sugerido. Esfrega uma das pequenas mãos de dedos finos na lateral da
lamparina prateada, até que um estrondo, acompanhado de uma fumaceira danada,
fez tudo desaparecer da frente dos seus olhos grande e redondos. Em um instante
estavam os dois frente a frente em um lugar que parecia estar além do tempo e
do espaço. Uma névoa branca cobria o chão, não havia nada no horizonte e, para
cima, um céu lindo cheio de estrelas iluminava os dois seres tão diferentes que
se olhavam agora.
O gênio era um homem
alto, com barba e cabelos grisalhos. Difícil definir sua idade, pois podia ter
trinta, mas também poderia ter cinquenta anos. Apesar da expressão de uma
pessoa muito vivida, tinha um corpo musculoso e jovem. Usava uma espécie de
bombacha de cetim azul e estava sem camisa. Os grandes pés descalços e, próximo
a eles, tornozelos envoltos por uma espécie de argola de metal. Nos pulsos e
pescoço o mesmo adereço. Depois de encarar o menino por alguns segundos, foi
possível novamente ouvir a voz grave do homem, agora calmamente.
- Muito
obrigado, menino. Você me libertou da prisão cruel onde estive durante mil
anos. Agora posso te conceder um pedido. Já adianto que sou muito poderoso,
poderei conceder qualquer coisa que seu coração desejar.
Constrangido diante
da figura tão imponente do gênio, o pequeno menino sorri. Um sorriso tão
amarelo quanto seus dentes, mas tão sincero quanto seus olhos redondos. Estava
feliz porque tinha alguém lhe oferecendo alguma coisa. O que por si só já era
algo, para ele, muito legal.
Como o menino
não falava nada, o gênio voltou a se pronunciar.
- E então,
pequeno? Não diz nada? Qual é teu maior desejo?
O menino volta
a colocar o dedo no nariz, faz uma cara séria, ergue a cabeça para poder
encarar o grande e poderoso gênio, faz uma pausa longa, até que finalmente fala.
Sua voz é aguda e suave. Nos seus olhos grandes e redondos, uma visível
felicidade se fazia perceber.
- Quer dizer
que eu posso pedir qualquer coisa mesmo, senhor? – falou com a voz um pouco
trêmula e nervosa.
- Sim, garoto.
Qualquer coisa. Pode voltar para seu mundo como um príncipe, um rei. Pode pedir
todo ouro que quiser. Riqueza. Castelos. Cavalos. Serviçais. Pode pedir para
ter poderes mágicos. Super força. Pode ser um homem lindo, irresistível para
todas as mulheres. Ter cavalos de raça, carrões, helicópteros. - apesar de preso
há mil anos na lâmpada, o Gênio estava atualizado - O-QUE-QUI-SER!
- Eu queria uma
bola de futebol de verdade, porque esse negócio de chutar coisas no chão
machuca muito os meus pés.
Surpreso com a humildade
do menino e a simplicidade do seu pedido, o gênio, sem esconder um sorriso
emocionado, cruza os braços e apenas balança a cabeça. Um estrondo, um clarão e
os dois desaparecem daquele lugar mágico, ficando apenas a névoa e as estrelas
no céu.
Dez anos depois, quando aquele grande time de futebol estava entrando em campo, na frente da fila o craque do time carregava a bola embaixo do braço. Parou no meio do campo, colocou as mãos na cintura e não deixou de perceber que no meio da multidão que lotava o estádio, havia um torcedor de barbas e cabelos grisalhos que o olhava e sorria emocionado. O craque mal teve tempo de dizer “Quié?”, quando o juiz apita e começa a partida.
Modelo das fotos: Érico Araújo
Muito bom 😃
ResponderExcluirMuito obrigado pelo carinhos!
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