OPINIÃO 114 - Lugar de Fala

Há algum tempo fiquei chateado em uma conversa nas redes sociais quando uma leitora me repreendeu por eu não poder me colocar no lugar de uma mulher para falar sobre qualquer assunto relacionado à dor causada pelo machismo, pois este não seria meu lugar de fala. Chateado, mas não pela repreensão. Chateado porque não entendia o motivo de não poder falar por uma mulher, mesmo que estivesse a defendendo. Ela estava certa em suas considerações, porque o máximo que eu faria, seria especular sobre dores que eu jamais havia sentido. Neste momento comecei a entender o que é “lugar de fala”.

Em uma situação onde há opressão, apenas o oprimido pode ter realmente uma dimensão das consequências físicas, psicológicas e sociais deste movimento. Aqueles que estão de fora, mesmo sensibilizando-se, fazem conjecturas que são, na verdade, especulações.

Não pensem que estou aqui dizendo que não podemos nos posicionar. Não só podemos, como devemos! Opinar é um direito individual importantíssimo, que anda lado a lado com a liberdade de expressão, premissa constitucional. Mas a luta principal para nós, no caso do exemplo acima, é a de quebrar os paradigmas sociais para que as mulheres tenham poder de exercer o mesmo direito à fala que, historicamente, pertence somente a nós, homens. Deste ponto de vista, percebe-se que não se trata de limitar o debate, mas justamente ampliá-lo, trazendo para o centro das discussões não apenas aquelas vozes que estão em posição de privilégio.

Durante décadas os brancos determinaram, inclusive escrevendo a História, o que é a escravidão e o quanto ela impactou na vida das pessoas negras. Mas, quantos deles perguntaram ao negro o quanto ter sido escravizado, processo que oficialmente encerrou há apenas 133 anos no Brasil, impacta em suas vidas nos diversos aspectos em que ela, até hoje, atua? Lugar de fala é justamente a posição de quem pode falar com a propriedade de quem se posiciona no centro do assunto, apresentando e analisando de dentro para fora. E isto pode causar estranheza para muita gente, pois nos acostumamos a ver “autoridades” com outorga falarem sobre diversos assuntos, e não os próprios assuntos falando.

Alguém, então, me perguntou por que, mesmo não estando no lugar de fala, eu continuaria falando sobre machismo, homofobia, racismo ou qualquer tipo de preconceito ou desrespeito em meu Blog. Não tive dificuldade para responder este questionamento. Tenho dois filhos, um menino com onze e uma menina com quatro anos, e a plena consciência de que muito da personalidade deles é construída através do exemplo que eu dou. Este é o meu maior legado. Neste caso, dentro do meu lugar de fala como pai, vou continuar falando sobre as coisas que acredito serem certas, esperando que eles, quando fizerem suas escolhas na vida, tenham em mim uma voz que se posiciona desta maneira. 

Lugar de fala não restringe o debate, mas amplia-o. 

Lugar de fala não se trata de pararmos de falar, mas de começarmos a ouvir.




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