CONTO 015 - Jogando videogame com o papai

Lembro como se fosse hoje...

Eu sentava na frente do videogame e ele ficava no bercinho ao lado, olhando as imagens coloridas piscando na TV. Nem chorava, apenas ficava ali, me fazendo companhia e se divertindo com os sons dos jogos e a minha cara, que entre uma fase e outra olhava para ele e dizia gracinhas.

Depois, maiorzinho, já pedia os joguinhos que mais gostava. Lembro que vibrava com Sonic ou Crash Bandicoot! Então, tinha um controle estragado que dava para ele ficar segurando enquanto eu jogava. Ele achava o máximo! Sorria feliz da vida achando que estava arrasando, quando na verdade apenas ficava ali, apertando os botões do controle estragado aleatoriamente. Confesso que sentia um pouco de culpa. Mas quem nunca fez isso com um filho ou irmão mais novo?

Quando ele começou a entender as coisas, eu ligava o controle e dava para ele jogar um pouco. Ia andando com os personagens, meio desajeitado, mas quando tinha que pular algum obstáculo ou desviar de algum inimigo, me passava o controle e pedia para eu resolver o problema para ele. Coisa mais fofa!

Ensinei-o a ligar o videogame sozinho. Mostrei como colocava os jogos, como escolhia lutadores ou times de futebol. Eu ficava orgulhoso e me sentia como se fosse o verdadeiro "sensei" dele. Achava-me o máximo nesses momentos! No fim das contas ria muito, porque nos jogos de luta ele colocava para dois jogarem, mas jogava sozinho. Nos de futebol fazia o mesmo. Então ficava batendo no outro personagem ou no outro time que, sem reagir, servia apenas como saco de pancada. Comecei a incentivar ele a jogar de verdade, para aprender e tal. Muitas vezes deixava ele ganhar, para ver aquele sorriso lindo de vitorioso! Mas não tinha jeito. Ele só queria bater e ver o coitado do adversário inerte tomando golpes, especiais e combos. Ingenuamente achava que ele jamais aprenderia a jogar videogame fazendo daquela forma. Então, eu dizia: - Filho, assim é chato, joga contra o videogame para aprender!

Como fui idiota! Sem perceber, estava criando o monstro que iria me assombrar para o resto da vida.

Ele foi dominando cada golpe, cada jogada, cada especial. Tudo para ele ficou orgânico. Enquanto eu tinha que pensar em decorar os golpes de cada personagem do Mortal Kombat, ele estava fazendo sem pensar. Ganhar de mim no Injustice para ele estava sendo tão natural quanto beber um copo d'água.

Agora não consigo mais jogar com ele. Nada! Nenhum joguinho sequer! Se eu for jogar PES, levo facinho dez gols por tempo de jogo. Mortal Kombat ou Injustice eu tomo combos inacreditáveis, que penso que nem os desenvolvedores do jogo conhecem. Acabo largando o controle no meio do jogo e saindo, dizendo que não estou mais a fim de jogar. Externamente sorrindo, mas tomado de ódio por dentro. Naruto, então, nem tento, porque não acerto nenhum jutsu sequer! Apenas apanho miseravelmente. Sinto-me como se fosse o Ishiraku tentando lutar contra um Hokage.

Hoje, o que me resta é esperar ele dormir e ligar o videogame bem baixinho, para ele não acordar e vir jogar comigo. Também jogo quando ele vai dormir na casa de uma das avós. É uma alegria só! Claro, prefiro games de velho, jogos em terceira pessoa, de fase, ou plataforma. Nada que lembre aqueles em que, contra ele, não passo de um “sparring”. Minha jogada de mestre é fazer uma cara séria, de paizão mesmo, e mandar ele pra cama, porque está na hora e eu “quero assistir as notícias”. Quando ele dorme, tiro todo som da TV e ligo o console. O brabo é quando ele acorda e me flagra jogando sozinho. “Aháááá!!! Sabia que tu tava jogando!!! Quero jogar junto!!!” Já vem ele se rindo e pegando outro controle com aquela cara sádica de quem sabe que vai me destroçar mais uma vez.

Aí, neste momento, viro pai. Fecho a cara e digo para ele ir dormir.

- Estava só testando um negócio aqui, ó! Já estou até desligando. Vai pra cama!




...............................................................................
Me segue no Instagram: @leandrodearaujofotografia ou @aquecimentocenico

E no Twitter: @Le_Aquecimento


E minha galeria no Flickr

Adquira o livro aqui

Comentários

  1. Sensacional! Mas o que esperar deles, senão serem melhores que nós?! Abraço, compadre!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É para isso que vivemos, né? Abraço, compadre! Saudades de vocês!

      Excluir

Postar um comentário