É uma
linda praça. Árvores floridas pintam-na de lilás, amarelo e rosa contra o céu
azul. Uma ensolarada tarde de primavera. Pássaros voam de um lado para outro,
fazendo algazarra, e pessoas circulam procurando sombras e um pouco de sossego.
Encravada no meio da cidade, como um oásis em um deserto de concreto, a praça aparenta
estar deslocada no espaço e o tempo parece passar em uma velocidade diferente daquele
dos carros nas avenidas ao redor.
No
centro da praça um charmoso chafariz. Piscina redonda, com pedrinhas no fundo,
pedestal no centro, de onde a água escorre como uma pequena cachoeira e, sobre
este pedestal, a imponente estátua de um general. A proeminente cabeçorra,
olhar fixo no horizonte, braço erguido segurando uma espada em riste, apontada
na mesma direção em que os olhos sisudos de bronze estão postados. De repente,
sem qualquer aviso, um pombo chega planando suavemente e pousa sobre a cabeça do
general.
O
pássaro dá uma balançada no bico, olha para os dois lados como se estivesse
tentando procurar privacidade, ajeita o corpo para fazer aquilo para o qual
veio até ali e, quando se prepara, escuta uma voz que interrompe sua
concentração.
- Ei!
Psiu!
Assustado,
o pombo olha para os lados, para cima e para baixo. Não vê ninguém por perto. Imagina
se tratar de algum engano, dá uma bufada impaciente e volta para o ritual de
preparação.
- Ei!
Psiu! Você aí mesmo, pombo!
Agora,
armado com a certeza de que o assunto era com ele mesmo, o pássaro abre as asas
desafiadoramente e, olhando para os lados incomodado com a interrupção,
pergunta:
- Quem
é? Será que não se tem um minuto de privacidade por aqui não? Não se respeita
mais nada?
-
Desculpa, meu amigo! Sou eu aqui embaixo! Na água não! Aqui! Embaixo de suas
patas. Sou a estátua. Queria ter-lhe uma palavrinha breve. Pode pousar ali na
ponta da minha espada, para que eu possa vê-lo melhor?
O
pombo, surpreso com a interpelação do general de bronze, fecha os olhos e dá um
profundo suspiro. Sem a menor paciência para começar uma conversa com o
interlocutor, tenta encerrar o assunto antes mesmo de começar, dando um tom
apressado à sua resposta.
- Veja
só, meu amigo. Não me leve a mal, mas estou com um pouco de pressa aqui. Só
passei para resolver um probleminha e já estou de saída, ok?
A
estátua, angustiada, insiste em tentar conseguir a atenção da ave. Muda a
estratégia e tenta uma postura ponderada, falando com mais calma, com um tom
quase maternal.
- Tudo
bem. TU-DO-BEM! Entendo que está com pressa. Mas pode, pelo menos, me dizer
exatamente o que você veio fazer aqui em cima?
- Não
lhe parece óbvio? Vim fazer exatamente o que todos os pombos do mundo fazem
diariamente em todas as estátuas do mundo! - disse o pássaro, irritado com a
inusitada situação.
-
Calma! Calma, meu amigo! Podemos discutir esta sua atitude? Eu não sei quem
definiu que nós, estátuas, temos que ser necessariamente o lugar específico
para vocês fazerem isso. Veja bem, temos uma praça inteira aqui. IN-TEI-RA! Há
bancos, árvores, pessoas. Por que tem que ser logo em uma estátua?
- Meu
caro, eu não faço as regras aqui. Apenas cumpro. Além do mais, meu pai já fazia
assim, e antes dele, meu avô. Sendo assim, com licença...
Novamente
o pombo se posiciona, mas antes de consumar o ato, uma nova interrupção:
-
Escuta só, pombo. – diz a estátua do general, quase implorando - Você parece um
pássaro inteligente, diferente da maioria emplumada e alienada que voa por aqui
o tempo todo. Hoje os seres são livres para fazer o que quiserem, até mesmo
para ser o que quiserem. Se desapegue desta necessidade de dar continuidade ao
erro dos seus antepassados. Rompa estas correntes! Você pode voar! Então voe na
direção de novos tempos! Deixe na terra as amarras de um passado sombrio, e
também o que você ia deixar aqui na minha cabeça. Seja a diferença!
Transforme-se na mudança! Seja...
O
discurso foi interrompido quando a estátua percebe o líquido viscoso escorrendo
por sua lustrosa testa de bronze, até cobrir completamente um dos olhos.
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Um pai
e um menino que passeavam com seu cachorro pela praça, param ao lado do
chafariz para aproveitar a sombra de uma árvore. O menino aponta para a imponente
estátua em sua frente e pergunta:
- Pai,
como será que aquele pombo se espetou naquela espada e foi morrer ali daquele
jeito?
O pai
coça a cabeça, franze a testa e, sem saber o que dizer, responde:
- Não
sei, meu filho. Algumas coisas são mesmo difíceis de entender.
E se
afastam sob o olhar sisudo e sujo de cocô de pombo da estátua do general.
Hahahahahahaha. Esse pombo não sabia onde tava se metendo...
ResponderExcluirMuito bom Leandro.
Grande abraço!
Ah, Wander!!! Muito obrigado!!! Esses pombos conservadores... kkkk
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