Acabo
de ler o texto de uma jovem criticando nas redes sociais o que ela chama de “feministas
exageradas”. Em seu breve texto ressalta que não concorda com atitudes
extremistas, como mostrar os seios, pintar o corpo, confrontar a polícia.
Chama as mulheres com este tipo de atitude de "fiasquentas" e vulgares. Achei
legal sua atitude, posicionando-se publicamente. Expor-se, mesmo sabendo que
nas redes sociais polarizadas certamente seria alvo tanto de elogios quanto de
críticas. Algumas críticas ofensivas ou violentas. Tentei entendê-la como jovem que é. Contudo, não
deixei de refletir sobre o assunto, principalmente sendo hoje o “Dia
Internacional da Mulher”, uma data que serve justamente para lembrar-nos de
quanto respeito devemos a ela, menina, em um mundo ainda majoritariamente
controlado por homens.
Então peço desculpas a todas as mulheres por me posicionar aqui sobre um assunto que
repercute explicitamente em suas vidas, mas exercendo uma consciente obrigação. Da mesma forma que já me manifestei sobre o respeito devido a negros, homossexuais,
sem-terra...
Não há
feminismo exagerado. Há apenas a necessidade urgente de revermos o patriarcado
estabelecido há cerca de cinco mil anos. CINCO MIL ANOS!!! No Código de Hamurabi
(conjunto de leis criadas na Mesopotâmia, por volta do século XVIII a.C., pelo
rei Hamurabi) já havia
penas previstas para quem cometesse atos de agressão contra homens ou mulheres.
Penas que, quando aplicadas a vítimas masculinas, muito mais pesadas do que aquelas
impingidas aos agressores de mulheres. Quantos milênios se passaram, e até hoje não entendemos que há homens que violentam e matam mulheres apenas pelo
fato de serem mulheres?
O que a jovem do início de minha reflexão não
entende é que ao mostrar os seios, pintar o corpo ou enfrentar as forças de
repressão, as feministas estão tentando fazer com que ela mesma, a jovem, seja
respeitada por ser mulher. No mundo todo, apenas em 1893, na Nova Zelândia, as
mulheres começaram a ser “equiparadas” aos homens, em direitos. No Brasil, o “país
do futuro”, apenas o Código Eleitoral de 1965 igualizou o voto feminino ao do
homem, pois desde a Constituição de 1934 a mulher tinha relevância política,
mas restrita ao “voto facultativo”. Ou seja, votava apenas se e como o
marido/pai permitisse.
O direito ao voto, assim como os demais conquistados
na sequência, não foram obtidos com textões ou reflexões em redes sociais. Foram
duramente arrancados da cultura machista, muitas vezes sob violência das forças
repressoras masculinas, que viam na reivindicação de igualdade política um ato
de “feminismo exagerado”.
Toda quebra de paradigma é vista inicialmente como
exagero. Toda subversão de padrões é maldita por quem prefere a confortável
conformidade do “sempre foi assim e sempre deu certo”. Dar certo, neste caso,
quer dizer “mantenha-se no poder quem está no poder e dócil aquele que deve servi-lo”.
Foram
mulheres que queimaram sutiãs, que ficaram nuas, que morreram queimadas em
fogueiras em praça pública, as que fizeram a diferença e que hoje dão direito a
voz à jovem que reclama do feminismo exagerado nas redes sociais. Foram as fiasquentas
e vulgares que conquistaram direito ao respeito, à liberdade, ao reconhecimento
e ao orgasmo. E de reclamar publicamente sem ser ridicularizada ou internada em
um sanatório, quando algum destes não se faz presente.
Graças às feministas exageradas, hoje sabemos que 12 mulheres são mortas por dia no Brasil. Em um período de 24 horas, em nosso país abençoado por Deus e bonito por natureza, mais de 160 mulheres são estupradas. Os dados podem ser mais alarmantes, pois apenas 10% dos casos são notificados à polícia. Sem as que gritam, se escabelam e se pintam, sequer teria porque levantar estes dados. Expressões como “crime passional”, “lavar sua honra” e “dever conjugal” ainda seriam argumentos para amenizar as penas de homens que violentam mulheres.
Aqui no
Rio Grande do Sul, estado onde a mulher é chamada de “prenda”, até o século XIX
as meninas tradicionalmente casavam-se por volta dos 14 anos. Muitas vezes conheciam
seus noivos apenas no dia do casamento. O Império estimulava que se casasse as
meninas muito jovens para que tivessem vida fértil mais longa. Tendo muitos
filhos povoariam o Continente, e isto era necessário para garantir a segurança
da fronteira. Quantos filhos tiveram suas avós? E bisavós? Por isso mesmo não
havia escolas para meninas, pois para elas era importante apenas engravidar, aprender a costurar, cozinhar e fazer artesanato. Não, não estou
descrevendo um concurso de mais prendada prenda, apenas retratando a vida de
uma mulher gaúcha nos séculos XVIII e XIX. Parir, cozinhar, servir ao marido. E
parir novamente. A cultura do estupro e da servidão eram avalizadas pelo Império.
Dito tudo isto,
minhas caras leitoras, às feministas exageradas, radicais e escandalosas... às
fiasquentas, vulgares e esquisitas, eu só tenho a agradecer. Agradeço por mim, por
minha filha de três anos que vai crescer em um mundo menos machista e pela
jovem menina que hoje tem o direito de dizer publicamente o que pensa, o que
lhe agrada e desagrada, sem ser considerada louca.
Me segue no Instagram: @leandrodearaujofotografia
E no Twitter: @Le_Aquecimento
Visita o Blog Uma Outra Cor
Olá, Leandro! Parabéns pelo texto (e pelos textos, sempre que posso acesso seu blog para ler a última publicação), cada vez melhor. Concordo que quebra de paradigmas é sempre um caminho cheio de percalços e feminismo é uma luta justa contra a injustiça. Ontem assisti o documentário Audrie e Daisy da Netflix sobre a violência sexual contra meninas e fiquei chocado com o tratamento que as meninas receberam das redes sociais e nas comunidades em que vivem. É muito triste saber que isso acontece e que a agressão é visto com descaso, muitas vezes, pelas autoridades. Hoje fiquei sabendo do caso de uma estudante do campus de São Borja da Unipampa, Raine Guimarães Santos, que se suicidou no dia 4 de março e que havia acusado pelo Facebook um professor do campus por abuso sexual. Eu sou pai de uma adolescente e imagino o sofrimento dessa família. Por conta de casos como esse e tantos outros que a luta do feminismo tem que continuar a despeito de todos os protestos daqueles que falam em mimimi e vitimização. Mas mudando de assunto: vi que você está participando do curso Escrita criativa: com a palavra, a autoria. Também me inscrevi e até comentei sua apresentação no fórum. Parece que em junho vai ter outro curso de produção textual. Um abraço para você e Fabiane (parabéns pelo dia!), tudo de bom para sua família e nos vemos lá no polo Esteio no dia 14.
ResponderExcluirMuito obrigado, meu amigo. Esta menina de São Borja era amiga do meu irmão que mora em Alegrete e estudava UNIPAMPA de lá. Diz que é muito triste o que acontece lá, e que não são casos isolados.
ExcluirEstou fazendo todos os cursos do Escolas Conectadas. São muito bons.
Até dia 14! Abração!!!
Gratidão pelo texto.
ResponderExcluirGostaria de saber se é possível o envio do seu livro em pdf e pagamento em conta corrente.
Abraços
Oi!!! Tudo bem?
ExcluirInfelizmente não posso fazer isso, pois se fazer o pdf e a editora descobrir, eu tenho que pagar uma multa astronômica para editora... kkk
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPrezado Leandro, Compreendo o discernimento como forma avaliativa de coerência. Necessitamos de buscar o acervo histórico e cultural pelos ancestrais. Discordo em partes, comparando duas frases de afirmações. Houve alterações por complexidade no Contexto Político e Ideológico. Concordável de negarmos a naturalização da banalidade confinada na sociedade contemporânea.
ResponderExcluir