EURICO, O OURIÇO
Leandro de Araújo
Eurico Espinhoso é um ouriço. Um simpático ouriço-cacheiro,
animalzinho da classe dos mamíferos, muito comum em quase todo território
brasileiro. Passa boa parte de seu tempo no topo de uma árvore. Desce apenas
quando quer se alimentar ou para atender algum outro chamado de sua fisiologia.
Tem como característica mais marcante o fato de ter seu dorso, da cabeça à
cauda, coberto por espinhos rígidos e pontiagudos, que se não servem como o
adorno mais bonito, oferecem uma eficiente e intimidadora proteção contra
predadores ou curiosos.
Existe um fato muito peculiar sobre Eurico. Mesmo a
inevitabilidade de sua existência como ouriço era suficiente para que se
sentisse feliz como tal. Suspirava melancolicamente quando via a elegante e
colorida plumagem de alguns pássaros. Como seria legal ter a pele brilhante e
sedutora como escamas das cobras ou um pelo liso e macio, tal e qual os gatos e
coelhos. Ria sozinho durante estes devaneios. Quando dava por si, lá estavam os
grossos e rígidos espinhos, deixando amostra apenas o focinho, os pés e as
mãos.

Certo dia algo inesperado aconteceu. Espinhoso teve as
esperanças renovadas e acreditou que, finalmente, suas preces haviam sido
ouvidas. Corria de bico em bico a notícia de uma famosa onça, muito conhecida
por seus poderes mágicos. Dizia-se que andava pelas redondezas fazendo
benzeduras, poções milagrosas e realizando desejos, mesmo os mais difíceis.
Eurico Espinhoso não descansou enquanto não foi apresentado
à tão abençoada criatura. Um corvo chamado Pérfido se apresentou, dizendo ser
amigo da onça, e fez as honras da apresentação.
Bondosa era seu nome. Representava já ter uma certa idade.
Falava mansamente, com um sorriso gentil e um olhar doce. Distribuía conselhos,
beijava filhotes, cheirava flores. Parecia mancar um pouco quando andava, mas
sua pelagem amarela com lindas rosetas negras fazia com que a onça realmente
tivesse um ar divinal.
Ao saber do problema do ouriço, Bondosa o chamou e ouviu
cada palavra, balançando afirmativamente a cabeça, sensibilizando-se com a dor
do pobre mamífero espinhento. É claro que ajudaria! Contudo, para ter seu
problema resolvido, Eurico deveria cumprir duas tarefas simples. Primeiro
deveria comer. Comer muito! Era extremamente importante para a mágica
funcionar, que Eurico devesse estar com a pança muito cheia. E assim ele fez.
Passou o dia inteiro comendo. Comeu tanto que à noite quase não conseguia se
mexer.
A segunda tarefa era dolorosa, mas Eurico estava disposto a
todos os sacrifícios para realizar seu sonho. Bondosa pediu que ele ficasse
completamente imóvel enquanto Pérfido, o corvo, com seu forte bico, arrancasse
um a um cada espinho de seu dorso. E assim foi feito. Durante algumas horas e
muitas lágrimas, Eurico Espinhoso suportou a dolorosa sessão à qual se
submeteu, até ter o último espinho removido de suas costas, restando apenas uma
pele lisa, suave e lindamente rosa.
Agradecido, com lágrimas nos olhos, Eurico ergueu as mãos em
direção à Bondosa e, emocionado, disse que finalmente estava muito feliz
consigo mesmo, que não sabia como agradecer à tão maravilhosa graça.
Bondosa, que agora abria um sorriso franco, exibindo toda
uma coleção de dentes enormes e afiados, calmamente disse ao ouriço que não
precisava agradecer. Bastava ficar bem quieto para que ela, agora sem o
problema dos espinhos, pudesse se servir dele como uma bela e saborosa
refeição. Entendendo o real objetivo da onça e a gravidade da situação, o
ouriço tentou fugir, mas havia comido demais e não conseguia correr. Não teve
jeito, desprotegido sem seus espinhos e letargicamente pesado, acabou virando
jantar da onça, que dividiu o banquete com Pérfido, seu amigo.
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Leandro, parabéns pelo conto. "Desejando o que não tinha e fingindo ser o que não era" devia ser um dos lemas dessa nossa sociedade de consumo que cultiva insatisfação ao impor paradigmas de beleza e comportamento (embalagem linda como a pelagem da onça Bondosa e conteúdo, ou caráter, duvidoso). O personagem corvo Pérfido é muito interessante, uma anjo mal que conduz o ingênuo Eurico. Aliás,o corvo é uma figura icônica na Literatura, basta lembrar de Edgar Allan Poe e o clássico poema O Corvo, e de Moisés, o corvo em A Revolução dos Bichos de George Orwell. Aliás, dê uma olhada nesse blog: http://concursos-literarios.blogspot.com.br/ Seus contos são ótimos, dá uma lida nos editais e participe dos concursos, pois vale a pena, já que sempre rola a chance de você ser publicado por uma editora ou até ganhar um dinheirinho. A propósito, agradeço pelos comentários no meu blog. Um abraço e continue escrevendo.
ResponderExcluirE lá estamos nós sendo comidos mesmos com espinhos...... ou estao nos empurrando guela a baixo esses.espinhos desse loucos e não estamos a poder fazer nada nadinha...... com tantos riquinhos medidas a besta ou pobrin com discurso de riquim.....
ResponderExcluirValeu pela mensagem! Abração!!!
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