DO LADO DE CÁ DA MESA GRANDE – Uma
reflexão sobre o Dia dos Professores
Leandro de Araújo
Eu tive grandes professores. Alguns “professores” e outros PROFESSORES. Alguns com formação protocolar em alguma licenciatura, outros apenas ensinavam porque estava entre suas características o poder inconsciente de ensinar. Estes últimos, para mim, não deixam de ser lembrados, também, como professores.
Entre aqueles que exerciam
involuntariamente a função de mestre, lembro do amigo poeta Antônio Augusto
Ferreira, que em seus últimos dois anos de vida nos presenteou, à Fabi e a mim,
além de poemas maravilhosos, muito ensinamento. Foi ele, por exemplo, que me
disse que “os textos não nasceram para ficarem trancados em gavetas” (ou no HD
do computador, atualizando). Disse ele que “Os textos são como filhos. Se
deixá-los trancados em casa, como conhecerão o mundo e como o mundo vai
conhecê-los?”. Não sei como ser mais didático que isso. E assim nasceu este
blog.
Durante meus anos como aluno da educação
básica tive professores brilhantes. E, claro, alguns muito chatos. Lembro com
carinho da professora de Língua Portuguesa Nelita, na quarta série da Escola
Santa Catarina em São Leopoldo, que foi a primeira a me fazer gostar de
escrever. Também lembro do professor Vítor, da Escola Polisinos, que nos Anos
Finais do Ensino Fundamental, transformava sua aula de Ciências em aula de
“qualquer coisa”, pois era impressionante a capacidade que tinha de falar sobre
qualquer assunto. Uma figuraça! Contudo, tive um professor de Biologia na Fundação
Liberato que abria as janelas no fundo da sala para ficar fumando durante a aula.
Ele dizia rindo que “se vocês não contarem para ninguém, eu também não conto”. Os anos 80 foram fascinantes e estranhos nas
escolas do Rio Grande do Sul.
Na graduação também tive educadores
fantásticos. Como o professor Ronaldo, por exemplo, que na faculdade de História
da ULBRA “incorporava” qualquer religião para nos ensinar que todas as crenças
são importantes e devem ser respeitadas. Na Licenciatura em Letras, na
UNIPAMPA, a professora Clara, tão importante para nós, é uma inspiração a quem
até hoje recorremos quando precisamos de uma palavra amiga vinda de uma
educadora que está tão longe, mas parece tão perto. Sim, tive grandes
professores. Pessoas incríveis que permaneceram na memória de forma tão nítida
quanto afetiva.
E hoje estou aqui, do lado de cá da mesa
grande. Aquela que para o jovem aluno Leandro representava justamente isso, a
separação entre quem está ali para aprender e quem está para ensinar. Ah! Mas como aquele menino estava
enganado! Hoje, deste lado, sigo aprendendo todos os dias. Porque entendi que a
essência básica de ensinar é que sempre há o que se aprender. Que cada
estudante é uma caixa de surpresas capaz de trazer ensinamentos poderosos,
surpreendentes e inesperados. Se ser professor é abrir o coração para continuar
sendo aluno, então é assumir que nunca se está “pronto”, que nada é mais
transitório que o definitivo, e que a “certeza absoluta” não é nada mais do que
uma desculpa para quem não está mais disposto a aprender.
Quando pequeno, do lado de lá da mesa
grande eu percebia apenas um par de olhos atentos, às vezes cansados, que me
olhavam com atenção. Agora, deste outro lado, são dezenas de pares de olhos que
me veem de todo jeito. Alguns com carinho e ternura, outros com curiosidade ou
desdém. Há também aqueles que me olham desafiadores, rancorosos ou, mesmo,
tristes. São diferentes olhares que miram para o lado de cá da mesa grande. Diferentes
histórias, desejos e angústias. Algumas histórias tristes que desconheço, mas
que vez por outra deixam abrir uma brecha, dando a oportunidade de tentar dizer
algo que possa fazer com que a tristeza ou a dor sejam menores. Isso porque
ainda lembro como era do lado de lá, com seus segredos não reveláveis que me
faziam arrastar correntes e abraçar espinhosas cruzes. Claro, não vou fingir
que hoje não tenha meus próprios infortúnios com o que lidar, mas já trago
cicatrizes e calos capazes de fazê-los compreensíveis e superáveis. Do lado de
lá tudo parecia absoluto, duradouro, interminável.
Deste lado da mesa grande em que me encontro agora, olho para eles com olhos de professor, mas sem jamais esquecer o que via quando aluno. E a consciência de que não substituímos um olhar por outro, mas que passamos por um processo de evolução, me permite percebê-los não como um conjunto DE problemas, mas um grupo COM problemas. Nessa percepção tento compreendê-los, oferecendo refúgio, socorro, ou mesmo um abraço amigo. Ser amigo dos meus alunos foi a opção que defini quando me formei professor, mesmo indo contra os pedagogos que acham que esta relação não é permitida, ou é impossível. Não acredito na impossibilidade de algo bom e, sendo assim, me permito. Pois a amizade é a única relação definida por escolha e baseada na confiança e no respeito mútuos. Parto do princípio que vou respeitar e confiar em meus alunos, pois é assim que quero que eles lembrem de mim quando nossos rumos seguirem setas diferentes, e a mesa grande não servir mais como o marco que nos separa.
Enfim, a mesa grande pode ser um muro, mas também pode ser uma ponte. Pode ser o que nos qualifica como diferentes, mas também pode ser o que nos une, sinalizando as equivalências, ressaltando as simetrias. Este móvel de madeira velho, que já foi visto como a castelo onde habitava uma pequena majestade, hoje não passa de um caminho por onde permito passarem as dores e os sonhos, de lado a lado, de forma que possa abraçar e ser abraçado, de sorrir em um “bom dia, amores da minha vida”, ou de chorar junto quando lembrar do tanto de desafios que ambos enfrentamos para estar do lado em que estamos agora. Do lado de cá da mesa grande, sinceramente, há um mundo que não é tão diferente do que está do lado de lá. E nós, professores, diferente deles, já estivemos dos dois lados.
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