OPINIÃO 113 - O Campinho

 

Tive uma infância muito diferente da dos meus filhos. Diferente mesmo, pois não é apenas a geração que nos separa. Somos de eras diferentes. Tive meu primeiro filho com 35 anos. Ou seja, enquanto ele vive seus onze anos hoje, em 2021, vivi os meus em 1985.

Não se preocupem. Não vou ser o tipo de saudosista que acha “meu tempo” melhor que o tempo dos meus filhos. Acho isso muito chato. Mas era diferente, com certeza.

Se existe algo determinante para que nossas gerações sejam tão diferentes é a existência, no tempo da minha infância, de algo que definitivamente não está presente na vida de meu filho hoje. Estou falando do campinho.

Uma das maiores lembranças da infância feliz que tive em um bairro de São Leopoldo é o campinho de futebol. Que até hoje está lá, na Rua Carlos Gomes (antiga Rua A), atrás de uma grande escola estadual. De dimensões irregulares, com aproximadamente 35 por 9 metros. Em algumas épocas havia traves, mas na maioria das vezes eram pedras ou chinelos que serviam para marcar os gols. Grama quase não tinha, porque não dávamos tempo para ela crescer. Próximo às goleiras, então, nunca gramou.

Posso dizer que dividi a maior parte do tempo da minha infância entre três lugares: minha casa, a escola e o campinho. E olha que ele nem sempre esteve lá! Quando fomos morar no bairro, em vez do campinho tinha um terreno baldio, sujo e alagado. Lembro que um grupo de pais foi até a prefeitura e solicitou que o lugar fosse limpo. Deu certo. Ainda bem!

Vivi de 1982 a 1994 naquela rua. Enquanto estudava nas escolas Santa Catarina (1ª a 4ª série) ou no Poli (5ª a 8ª série), basicamente chegava da escola, almoçava, e corria para o campinho. Trago na memória, com muito carinho, a lembrança de grandes amizades que cultivava naquela época. Muito em função do futebol no campinho. Lembro-me de chegarmos todos meio juntos, sempre alguém carregando uma bola, e logo definíamos qual jogador “seríamos” na partida daquela tarde, gritando nomes que se destacavam na dupla Grenal na época. Sorteávamos os times. Normalmente dois goleiros tiravam a sorte e iam, alternadamente, escolhendo os "atletas". Depois ia um grupo para cada lado e a partida começava. O juiz era quem gritava mais alto. “Bola prensada é da defesa!” A partida durava a tarde toda, ou até que a mãe do dono da bola o chamasse. Ou até a bola bater com força no portão de algum vizinho chato, que acabava com o jogo recolhendo o brinquedo.

Vi algumas fotos atuais do campinho no Google Maps e fiquei feliz em ver que ele ainda está lá. Atualmente tem um muro separando da escola. Na minha época era uma cerca de arame, que pulávamos para buscar a bola - “Quem chuta busca!”. E tinha uma amoreira que fornecia um lanchinho na época das frutas e uma sombra boa quando cansávamos. A amoreira não tem mais, mas ainda há um poste da rede elétrica, com uma lâmpada, que era nosso refletor para jogar à noite no verão.

Nas fotos que peguei na internet não havia ninguém no campinho. Eu achei estranho, porque no meu tempo sempre havia alguém ali. Outro fato que me chamou atenção foi a presença de grama, inclusive próximo às goleiras. Talvez a foto tenha sido feita em um período de pouco movimento, ou talvez a galera não jogue mais mesmo, porque está mais tempo envolvida com outras coisas, como celulares e aplicativos. Os terrenos da maioria dos campinhos da década de 80 estão ocupados com construções. Nossas crianças estão presas dentro dos pátios, pois tememos por sua segurança nas ruas. Trocamos a companhia sanguínea dos amigos de carne e osso pela presença cibernética dos smartphones e da internet.

Se pudesse escolher um dia da infância para reviver, se a vida magicamente me desse uma única oportunidade, certamente gostaria de abrir os olhos e enxergar os amigos chegando ao campinho. Todos com um sorriso largo no rosto, inclusive aqueles que já nos deixaram. Faria questão de abraçar a todos, um a um. E de agradecer. Agradecer muito! Por terem feito parte de um dos momentos mais incríveis da minha vida, onde aprendi muito sobre valores como respeito, lealdade e amizade. E ao final da tarde, quando o jogo estivesse terminado e todos estivessem voltando para suas casas, para suas famílias, sentaria à sombra da amoreira por uma última vez, até ouvir minha mãe me chamando no portão de casa. Poderia então fechar os olhos novamente, sabendo que vivi uma infância feliz.




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