OPINIÃO 104 - Antigamente que era bom. Será mesmo?

A fotografia é um documento histórico. Não julga, questiona, condena ou elogia. Retrata, através do instrumento e do olhar de um fotógrafo, um instante da história. Um momento único, impossível de ser repetido fidedignamente, pois assim como o curso de um rio, o tempo não transcorre duas vezes com o mesmo conteúdo.


Publiquei em um grupo do Facebook uma foto muito antiga do meu avô. Acredito que tenha cerca de cinquenta anos. Nela, além meu avô, aparece minhas tias e dois cães. Também um rancho de madeira e uma árvore para sombra. Como destaque, meu avô tem em sua mão esquerda uma espingarda e na direita um “mão-pelada”, espécie de mamífero selvagem nativo dos campos e matos da região da fronteira do Rio Grande do Sul, morto. Provavelmente o animal tivesse sido abatido porque estava fazendo estragos no galinheiro, matando galinhas e pintos, “roubando” ovos. 

Este registro, que foi postado com a intensão de retratar este suspiro de tempo, gerou uma discussão acalorada, tendo duas visões divergentes que não ofereciam qualquer oportunidade de diálogo ou aprendizado uma com a outra. Uma leitora do grupo questionou a postura apresentada na foto, onde havia um animal selvagem morto, qualificando a foto como “muito ruim”. Entendi a posição desta pessoa, apesar de não classificar a foto desta forma, pois como documento que é, cumpre a função de registro. O gesto de matar o animal é ruim, mas acho o documento belíssimo. 

No entanto, logo começaram a surgir as contrapartes, que de forma agressiva, iniciaram um processo de desqualificação da leitora, usando palavras e expressões que pouco, ou nada, contribuíam para tornar crível sua opinião sobre o assunto. Sua abordagem se resumia a “juventude Nutella, mimizenta”, “antigamente que era bom”, “havia moral” ou, o que eu acho mais interessante “ecologistas que não sabem nada da vida do campo”. Muitos adjetivaram com “falando merda” a opinião daqueles que estavam se opondo a postura do meu avô na fotografia. E isso tudo me trouxe muitas reflexões. 

Na época da foto o acesso a informação e tecnologias de manejo era muito restrito. Pequenos produtores domésticos, nos fundões da campanha, usavam apenas aquilo que haviam aprendido com antepassados, ou aquilo que iam desenvolvendo no transcorrer dos processos de produção. O ataque de um predador nativo, por exemplo, era um problema, pois interferia diretamente no que seria produzido para subsistência da família. Era praticamente como escolher entre o bicho ou as pessoas. Se tratava de uma realidade tão distante no tempo e no espaço, que para o jovem urbano contemporâneo se torna praticamente impossível conceber ou aceitar isso algo natural. Mas naquela época era. 

Contudo, ao contrário do que os “defensores” da foto falam, isso tudo não era necessariamente bom. Na verdade, na maioria das vezes, era exatamente o contrário. A falta de informação levava as pessoas a medidas extremas, como a do extermínio da fauna nativa. Muitos desses animais quase desapareceram, outros realmente sumiram. Animais selvagens “atacam” criações porque elas estão ocupando o espaço do seu alimento natural. Eles não “matam” a criação, estão tentando matar sua fome e a fome de sua cria. O campeiro “antigo” não tinha essa percepção, pois as opções de manejo sustentável eram inexistentes. 

O jovem que condena esse tipo de ação está munido de uma conscientização que, se falta a nós, faltava muito mais a nossos antepassados. São capazes de estabelecer relações de coexistência porque a ciência, e não o senso comum, os capacita a isso. Não estão “falando merda”, estão compartilhando conhecimento. A nós, gerações anteriores, seria muito mais interessante uma postura de humildade e tentar aprender com eles. Como é difícil para nós, “velhos”, entendermos o quanto esse orgulho é inútil e improdutivo. Assumir que um jovem é capaz de nos ensinar é, muitas vezes, doloroso, pois fomos criados com conceitos de que a “experiência” determina a propriedade da razão. E não é verdade! A razão é encontrada no compartilhamento de conhecimento, não ao se tentar tomar posse dela como se fosse um produto. 

Aos que acreditam que “antigamente que era bom”, entendam que nada era feito de forma bruta porque as pessoas apreciavam passar trabalho. O que não havia era tecnologia, alternativas. Basta ver como funciona o trabalho no campo hoje. Onde há manejo consciente, se aprende a conviver com a fauna, e não a exterminar. A presença de animais nativos serve para qualificar o solo, a água e o ar de uma localidade. Valoriza a terra! 

Nestes aclamados tempos antigos, as relações entre as pessoas eram praticamente de propriedade, pois ainda havia uma forte influência do período colonial/escravocrata. Os peões eram propriedades dos estancieiros. As mulheres e crianças eram propriedade dos maridos. Não se tratava de RESPEITO, mas de SUBMISSÃO, MEDO e SUBSERVIÊNCIA. Os jovens não silenciavam porque eram mais educados, mas por outros dois motivos: medo das consequências físicas e psicológicas ou falta de conhecimento acerca de direitos, liberdade, capacidade de expressar-se livremente. As mulheres, para serem consideradas corretas, eram obrigadas a aceitar a violência dos homens como algo normal, múltiplas maternidades durante o casamento (quantos filhos tiveram tuas avós e bisavós?) e, ainda por cima, entender o adultério do marido e a obediência da esposa como “coisas naturais” em uma relação. 

Minha sugestão aos defensores do “naqueles tempos que era bom” é começar a ouvir a geração atual e aprender com ela. Entender que eles tem muito mais a nos ensinar do que nós a eles, pelo simples fato de que além do acesso a informação ser infinitamente maior, há o interesse e a liberdade em aprender. Podemos, sim, compartilhar com eles nossa história, os registros que não estão nos livros (ou no Google). Contudo, podem ter certeza de que eles saberão muito melhor que nós o que fazer com esta informação. Nós apenas nos limitamos a reclamar ou elogiar, eles estão capacitados a fazer algo muito melhor que isso: QUESTIONAR.



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